Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 389 to 394



Colangiorressonância com uso de contraste hepatoespecífico: avaliação perioperatória da via biliar

Autho(rs): Luciana Carmen Zattar-Ramos1; Regis Otaviano Franca Bezerra2; Luis Tenório de Brito Siqueira3; Marcos Roberto Menezes4; Claudia da Costa Leite5; Giovanni Guido Cerri6

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Texto em Português English Text

Descritores: Vias biliares; Ressonância magnética; Contrastes hepatoespecíficos.

Keywords: Biliary tree; Magnetic resonance imaging; Hepatobiliary-specific contrast agents.

Resumo:
Recentemente, um grande número de quelantes de gadolínio tem sido testado em ensaios laboratoriais. Alguns deles já foram inclusive aprovados para uso clínico nos Estados Unidos e na Europa. Com isso, novas perspectivas diagnósticas foram incorporadas nos estudos de ressonância magnética. Dentre estes quelantes de gadolínio, os contrastes hepatobiliares específicos (CHBEs) têm sido amplamente utilizados para a caracterização e detecção de lesões focais hepáticas, essencialmente pela propriedade de serem captados pelos hepatócitos e excretados na via biliar. Além disso, os CHBEs trouxeram novas informações na avaliação da árvore biliar quando comparados à colangiorressonância convencional, proporcionando uma maior resolução espacial e melhor avaliação da anatomia da árvore biliar não dilatada. A avaliação da anatomia biliar é de fundamental importância em cirurgias hepáticas, como ressecções complexas em tumores colorretais ou no transplante hepático com doador vivo, porém, o uso dos CHBEs ainda é restrito para estes propósitos. Em razão da escassa literatura sobre o tema e da pouca familiaridade dos radiologistas com as principais indicações, o presente ensaio iconográfico tem por objetivo demonstrar o uso de CHBEs na avaliação perioperatória das vias biliares, ressaltando a avaliação anatômica, as indicações e os principais achados de imagem.

Abstract:
A large number of gadolinium chelates have recently been tested in clinical trials. Some of those have already been approved for clinical use in the United States and Europe. Thus, new diagnostic perspectives have been incorporated into magnetic resonance imaging studies. Among such gadolinium chelates are hepatobiliary-specific contrast agents (HSCAs), which, due to their property of being selectively taken up by hepatocytes and excreted by the biliary ducts, have been widely used for the detection and characterization of focal hepatic lesions. In comparison with conventional magnetic resonance cholangiography (MRC), HSCA-enhanced MRC provides additional information, with higher spatial resolution and better anatomic evaluation of a non-dilated biliary tree. A thorough anatomic assessment of the biliary tree is crucial in various hepatic surgical procedures, such as complex resection in patients with colorectal cancer and living-donor liver transplantation. However, the use of HSCA-enhanced MRC is still limited, because of a lack of data in the literature and the poor familiarity of radiologists regarding its main indications. This pictorial essay aims to demonstrate the use of HSCA-enhanced MRC, with particular emphasis on anatomical analysis of the biliary tree, clinical applications, and the most important imaging findings.

INTRODUÇÃO

O gadolínio hepatoespecífico permite a avaliação funcional e anatômica da via biliar e, dessa forma, contribui para o planejamento de cirurgias hepatobiliares e também no diagnóstico pós-operatório de suas complicações(1–6). Cirurgias hepatobiliares são procedimentos de grande dificuldade técnica e com relativa frequência ocorrem complicações relacionadas às vias biliares, muitas vezes associadas a inesperadas variações anatômicas. No caso de transplantes hepáticos, essas complicações podem variar de 10% a 25%, sendo fatais em até 10% dos casos(7).

As técnicas convencionais de colangiorressonância ponderadas em T2 têm a desvantagem de avaliarem somente a anatomia da via biliar, fornecendo pouca informação nos casos em que não há dilatação. Dessa forma, alguns estudos sugerem que uma ótima avaliação do sistema biliar deve ser feita usando a combinação de técnicas anatômicas e funcionais(8).

Os contrastes hepatobiliares específicos (CHBEs) aprovados para uso clínico no Brasil(9), diferentemente dos contrastes rotineiramente utilizados em ressonância magnética (RM), são seletivamente captados pelos hepatócitos funcionantes e possuem altas taxas de eliminação pela via biliar (cerca de 50%)(1–5,9). Além disso, os protocolos de exame devem ser adaptados para otimização do tempo, uma vez que é necessária a obtenção de imagens tardias com cerca de 20 a 30 minutos após a injeção(5,6,10–12).

O presente ensaio tem por objetivo demonstrar o uso de CHBEs na avaliação perioperatória das vias biliares, ressaltando os principais aspectos de imagem observados que podem orientar a conduta.


MÉTODOS

Foram selecionados estudos de RM de abdome superior com uso de ácido gadoxético (Primovist®) na avaliação perioperatória de cirurgia hepatobiliar. As imagens foram selecionadas do arquivo digital de nossa instituição, entre janeiro/2013 e fevereiro/2015.


AVALIAÇÃO ANATÔMICA BILIAR

Variantes anatômicas ocorrem em aproximadamente 30% dos pacientes. Sua correta caracterização é necessária para prevenir lesões iatrogênicas durante procedimentos/cirurgias hepatobiliares, especialmente em casos de doadores vivos para transplantes hepáticos, nos quais o correto conhecimento da anatomia biliar é imprescindível (Figura 1)(2,4–6,13).



Figura 1. Pré-operatório de transplante hepático. O CHBE permite ótima avaliação da anatomia normal da árvore biliar, com delineamento de ductos subsegmentares (setas).



O delineamento da árvore biliar ocorre na fase hepatobiliar tardia de aquisição, cerca de 20 a 30 minutos após a administração do CHBE. As sequências adquiridas com CHBE são ponderadas em T1, proporcionando imagens com melhor resolução espacial que a colangiopancreatografia convencional sem contraste, que é ponderada em T2, sobretudo quando não há dilatação das vias biliares (Figura 2)(5,6,10–12).



Figura 2. Avaliação pré-operatória de hepatectomia direita em paciente com metástase de tumor colorretal. Ótimo delineamento da árvore biliar com CHBE, demonstrando-se a presença de ducto biliar acessório do segmento VII (seta), importante no planejamento cirúrgico.



DIFERENCIAÇÃO DE LESÕES INTRABILIARES E EXTRABILIARES

A correta distinção entre lesões císticas próximas da árvore biliar e intrínsecas das vias biliares tem importância na conduta clínica. A presença do CHBE dentro do lúmen da lesão cística confirma sua origem biliar (Figura 3) e permite a diferenciação entre cistos do colédoco, formações císticas pericoledocianas, divertículos ou duplicações duodenais(4,5,11).



Figura 3. Pequena formação cística (setas), adjacente ao ducto hepático comum, caracterizada em sequências T2 (A) e T1 em fase (B) de RM. O uso do CHBE (C) demonstra de forma inequívoca o diagnóstico de cisto biliar, após seu preenchimento por contraste (seta).



DIAGNÓSTICO DE COLECISTITE AGUDA

Importante causa de abdome agudo, sua investigação inicial é feita por meio da ultrassonografia, mas o uso do CHBE pode ser útil em casos duvidosos, substituindo o uso da cintilografia (DISIDA). A não contrastação da vesícula biliar pelo CHBE durante o estudo de RM constitui um sinal específico de colecistite aguda (semelhante ao DISIDA), com a vantagem adicional de proporcionar a avaliação de eventuais diagnósticos diferenciais de dor abdominal(4–6,11,13,14). Destaca-se, ainda, que a avaliação funcional soma-se aos demais aspectos usuais da RM, tais como presença de coledocolitíase (Figura 4), espessamento da vesícula, líquido peribiliar e distúrbio perfusional (Figura 5)(2–4,6,8).



Figura 4. Caso de colelitíase. CHBE demonstrando falha de contrastação no interior da vesícula biliar (seta).



Figura 5. Colecistite aguda. Sequência axial FSE T2 (A) demonstrando espessamento parietal (seta), axial T1 pré-contraste (B) com conteúdo biliar de alto teor proteico, formando nível com pequena quantidade de gás (seta) e coronal CHBE (C) sem contrastação da vesícula biliar (seta). O uso de morfina nestes casos pode ser considerado, embora geralmente desnecessário, visto o conjunto de achados sugestivos de colecistite.



DIAGNÓSTICO E GRADAÇÃO DE OBSTRUÇÕES BILIARES

Alterações na dinâmica de contrastação das vias biliares permitem o diagnóstico precoce de obstrução, mesmo sem dilatação evidente (Figura 6), assim como sua classificação(2,4,6,10–14): a) obstrução completa – ausência de contrastação das porções distal e proximal da estenose ou lesão obstrutiva (Figura 7); b) obstrução quase completa – contrastação significativamente tardia e apenas na porção proximal da estenose ou lesão obstrutiva; c) obstrução parcial – passagem de CHBE com contrastação além da área de estenose ou de lesão obstrutiva. Deve-se ter cuidado ao avaliar pacientes com acentuado déficit de função hepática, pois a disfunção altera a metabolização do CHBE, reduzindo a contrastação das vias biliares e simulando processos obstrutivos(6,10,12). É importante a correta gradação e caracterização da obstrução de maneira precoce, a fim de influenciar a conduta terapêutica e, eventualmente, alterar o planejamento cirúrgico(2,4,6,10–14).



Figura 6. Pós-operatório de hepatectomia com anastomose biliodigestiva. CHBE mostrou atraso na contrastação do lobo caudado (A – seta), sugerindo obstrução severa (B – seta), antes mesmo de haver dilatação significativa da árvore biliar. Três meses depois, a colangiorressonância demonstra leve ectasia das vias biliares intra-hepáticas no lobo caudado e ainda não identifica a estenose dos ductos laterais do lobo esquerdo (C – seta).



Figura 7. Imagem coronal ponderada em T1 com CHBE, fase tardia (A), demonstra que, apesar da moderada dilatação das vias biliares, não houve eliminação do contraste na fase hepatobiliar, devido a obstrução do colédoco distal (seta). Colangiorressonância (B) no mesmo plano de corte de A.



AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DAS VIAS BILIARES

Lesões iatrogênicas são as complicações mais comuns associadas a cirurgias hepatobiliares, especialmente as laparoscópicas. As lesões mais comuns são as fístulas, que podem ocorrer no pós-operatório imediato ou recente, e as estenoses, que ocorrem tardiamente(4–6,11).

Os CHBEs permitem estabelecer o diagnóstico de extravasamentos por meio da visibilização direta destes e da demonstração de seu local de origem (Figura 8). O tipo de lesão ductal é dado pelas classificações de Bismuth e Strasberg(4–6,11).



Figura 8. Imagens adquiridas na fase de excreção hepatobiliar do CHBE, em que se nota extravasamento do meio de contraste proveniente do ducto principal do segmento lateral do lobo esquerdo (setas).



A acurácia para detectar fístulas biliares foi 84% com o CHBE utilizado em conjunto com a colangiorressonância ponderada em T2(8). A combinação dessas duas técnicas aumenta a acurácia para a correta identificação e localização do local de extravasamento (Figura 9)(4–6,11).




Figura 9. Pós-operatório de hepatectomia com anastomose biliodigestiva. Cintilografia (DISIDA) sugeriu coleção/acúmulo líquido no plano da anastomose (A). CHBE mostrou anastomose íntegra e acúmulo do meio de contraste na alça de derivação em "J" (B – seta), descartando a hipótese de coleção ou fístula.



DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE COLEÇÕES ABDOMINAIS COM FÍSTULAS BILIARES (BILOMA)

Os bilomas são coleções extrabiliares de bile que podem ser de causa espontânea, pós-traumática ou iatrogênica, ocorrendo geralmente no quadrante superior direito do abdome (70%). Sua correta caracterização permite a diferenciação com coleções de outra natureza e seu correto manejo. Uma imagem tardia após a administração de CHBE confirma que a coleção é composta de bile e permite a identificação do local de extravasamento(4,5,11).

A contrastação específica do conteúdo biliar permite uma melhor diferenciação de coleções abdominais, ascite loculada ou formações císticas adjacentes aos ductos biliares, acrescentando informações importantes em relação à colangiopancreatografia convencional ponderada em T2 (Figura 10)(4,5,11).



Figura 10. Coleção junto ao leito da hepatectomia que na fase de excreção hepatobiliar se enche do meio de contraste, confirmando o diagnóstico de biloma (seta).



CONCLUSÃO

O CHBE é uma importante ferramenta que adiciona informações funcionais na avaliação perioperatória da árvore biliar, sendo complementar à colangiografia ponderada em T2(3–6). A correta indicação e interpretação das imagens pode alterar a conduta clínica e evitar a realização de outros exames diagnósticos, procedimentos invasivos desnecessários, biópsias ou reabordagens(2,11,12).


REFERÊNCIAS

1. Guglielmo FF, Mitchell DG, Gupta S. Gadolinium contrast agent selection and optimal use for body MR imaging. Radiol Clin North Am. 2014;52:637–56.

2. Van Beers BE, Pastor CM, Hussain HK. Primovist, Eovist: what to expect? J Hepatol. 2012;57:421–9.

3. Ringe KI, Husarik DB, Gupta RT, et al. Hepatobiliary transit times of gadoxetate disodium (Primovist®) for protocol optimization of comprehensive MR imaging of the biliary system—what is normal? Eur J Radiol. 2011;79:201–5.

4. Gupta RT. Evaluation of the biliary tree and gallbladder with hepatocellular MR contrast agents. Curr Probl Diagn Radiol. 2013; 42:67–76.

5. Gupta RT, Brady CM, Lotz J, et al. Dynamic MR imaging of the biliary system using hepatocyte-specific contrast agents. AJR Am J Roentgenol. 2010;195:405–13.

6. Seale MK, Catalano O, Saini S, et al. Hepatobiliary-specific MR contrast agents: role in imaging the liver and biliary tree. Radiographics. 2009;29:1725–48.

7. Hyodo T, Kumano S, Kushihata F, et al. CT and MR cholangiography: advantages and pitfalls in perioperative evaluation of biliary tree. Br J Radiol. 2012;85:887–96.

8. Kantarci M, Pirimoglu B, Karabulut N, et al. Non-invasive detection of biliary leaks using Gd-EOB-DTPA-enhanced MR cholangiography: comparison with T2-weighted MR cholangiography. Eur Radiol. 2013;23:2713–22.

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14. Flancbaum L, Choban PS, Sinha R, et al. Morphine cholescintigraphy in the evaluation of hospitalized patients with suspected acute cholecystitis. Ann Surg. 1994;220:25–31.










1. Médica Radiologista do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil.
2. Médico Radiologista do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), São Paulo, SP, Brasil
3. Médico Radiologista do Hospital Regional de Presidente Prudente e do Hospital Nossa Senhora das Graças, Presidente Prudente, SP, Brasil
4. Doutor, Médico Radiologista do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), São Paulo, SP, Brasil
5. Professora Associada do Departamento de Radiologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Médica Radiologista do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil
6. Professor Titular do Departamento de Radiologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Médico Radiologista do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil

Trabalho realizado no Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dra. Luciana Carmen Zattar-Ramos
Hospital Sírio-Libanês. Rua Dona Adma Jafet, 91, Bela Vista
São Paulo, SP, Brasil, 01308-050
E-mail: lucianazattar@hotmail.com

Recebido para publicação em 8/11/2015.
Aceito, após revisão, em 7/6/2016.
 
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