Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 44 nº 3 - Maio / Jun.  of 2011

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 183 to 187



Responsabilidade civil do radiologista no diagnóstico do câncer de mama através do exame de mamografia

Autho(rs): Frederico Guilherme Fonseca Torres de Oliveira1; Lea Mirian Barbosa da Fonseca2; Hilton Augusto Koch3

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Texto em Português English Text

Descritores: Erro médico; Mamografia; Câncer de mama; Responsabilidade civil.

Keywords: Medical error; Mammography, Breast cancer; Civil liability.

Resumo:
O objetivo deste trabalho foi analisar a responsabilidade civil por erro médico no que tange, especificamente, à conduta do radiologista no diagnóstico do câncer através do exame mamográfico. Foram analisadas, para exemplificar, decisões judiciais com o objetivo de mostrar o entendimento dos tribunais nacionais, dentre eles, o Supremo Tribunal Federal, a quem compete revisar, em grau de recurso, as decisões judiciais que afrontam a Constituição Federal, bem como o Superior Tribunal de Justiça, que tem a competência de julgar em grau de recurso as decisões violadoras das leis federais. O material utilizado demonstra a visão dos tribunais acerca do tema objeto desta pesquisa, revelando as consequências do erro do médico radiologista e dos serviços de radiologia no âmbito do direito civil, que possui a indenização monetária como consequência da existência de responsabilidade civil. Ou seja, o dever de indenizar decorre da constatação da existência da responsabilidade civil. Assim, afastada a responsabilidade civil, fica afastado o dever de indenizar. Indenização não se confunde com a responsabilidade civil, esta é fundamento daquela.

Abstract:
The present study was aimed at analyzing civil liability for medical errors specifically for a radiologist’s errors in the mammographic diagnosis of breast cancer. As examples, Court decisions were analyzed with the aim of showing the understanding of the Brazilian Courts of Law, among them the Supreme Federal Court that is responsible for reviewing, on appeal, judicial decisions affronting the Brazilian Constitution, as well as the Superior Court of Justice, that is competent to judge on appeals against decisions violating Federal Laws. The reviewed material demonstrates the Courts’ view on the subject discussed on the present article, describing the consequences of radiologists’ and radiological centers’ errors in the sphere of the civil law that establishes monetary indemnity as a consequence of the existence of civil liability. That is to say that the duty to indemnify arises from the testifying of the existence of civil liability. Thus, once the civil liability is removed, the duty to indemnify comes to an end. Indemnity should not be confused with civil liability; the latter is the foundation of the former.

INTRODUÇÃO

Internacionalmente, tem-se observado, em alguns países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda, Dinamarca e Noruega, um aumento da incidência do câncer de mama, acompanhado de uma redução da sua mortalidade, o que está associado à detecção precoce por meio da introdução da mamografia para rastreamento e à oferta de tratamento adequado. No Brasil, o aumento da incidência tem sido acompanhado do aumento da mortalidade, que se atribui, principalmente, a um retardamento no diagnóstico e instituição de terapêutica adequada(1).

Como os índices de mortalidade por câncer de mama vêm aumentando, tendo como uma das causas deste aumento o erro médico, que, por sua vez, é decorrente do aumento do número de mamografias realizadas no Brasil, as ações ajuizadas por pacientes supostas vítimas destes erros em laudos mamográficos e ultrassonográficos vêm crescendo substancialmente(2—4).

Entre as causas dos supostos erros médicos encontra-se o diagnóstico tardio do câncer de mama, que pode ocorrer devido à falta de valorização das alterações em exame mamográfico anterior, suscetível de gerar a responsabilidade civil repercutindo na obrigação de ressarcimento aos pacientes, chegando muitas vezes a significativas indenizações(5), pois para que exista dever de indenizar, no curso do processo, precisa ficar demonstrada a existência de responsabilidade civil.

Assim, o presente trabalho pretende alertar os médicos das consequências destes erros de diagnóstico, em especial no concernente ao encaminhamento dado pelos tribunais brasileiros a respeito da responsabilidade civil do profissional da área da saúde, principalmente do médico radiologista e dos serviços de radiologia na análise do exame mamográfico.


MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa jurídica foi basicamente bibliográfica e documental extraídas do estudo da legislação, dos livros de ciências jurídicas pertinentes, além das decisões judiciais. Estas contribuições foram extraídas principalmente do estudo dos livros de direito civil, além das decisões dos tribunais brasileiros, que são juridicamente chamadas jurisprudências.

No campo jurídico, a pesquisa bibliográfica é o método por excelência de que dispõe o pesquisador, pois não se pode fundamentar um trabalho jurídico sem a apresentação das leis que regulam o tema ou das decisões judiciais que aplicam a lei ao conflito de interesses existente na sociedade, no presente estudo, do conflito entre o médico radiologista e o paciente.

Interpretação dos conceitos

A ideia de responsabilidade civil está ligada à existência da conduta culposa, configurada sempre que estiverem presentes a imprudência, a imperícia ou a negligência. Com relação ao médico, sempre que este for o agente provocador do dano ao paciente, agindo de maneira temerária, isto é, sem a cautela exigida, agirá com imprudência. Quando o profissional não possuir conhecimentos técnicos suficientes ou for desatualizado para diagnosticar, o caso será imperícia. Já a negligência estará configurada quando o agir do profissional da medicina revelar desatenção na utilização das cautelas de praxe exigidas ao diagnóstico da enfermidade do paciente(6).

Analisadas as expressões acima, para conceituação de responsabilidade civil utilizaremos os ensinamentos de Pontes de Miranda(7): “Quando fazemos o que não temos o direito de fazer, certo é que cometemos ato lesivo, pois que diminuímos, contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou lhe elevamos o passivo das obrigações, o que é genericamente o mesmo”.

Com efeito, o dever jurídico da responsabilidade na maioria dos casos, encontra alicerce num contrato, fato ou omissão, advindo tanto da convenção entre partes como da norma jurídica(8). Pode, pois, a responsabilidade civil, singelamente, definir-se como a obrigação de reparar o prejuízo causado a alguém(9).

Neste sentido, muito auxiliam o entendimento e conceituação do que é a responsabilidade civil, da professora Maria Helena Diniz(10): “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.

Diante do que foi dito acima, pode-se dizer que resta caracterizado o dever de indenizar do médico, quando estiver suficientemente demonstrada a ocorrência do dano suportado pelo paciente, bem como a sua ação ou omissão culposa e por fim o nexo de causalidade, entendendo-se por nexo causal o liame entre a ação ou omissão culposa do médico e o dano causado ao paciente.

Nos serviços de radiologia, a relação estabelecida entre o paciente e o médico radiologista é geralmente contratual, estando submetida ao que determina o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.048/1990). Isto porque o prestador de um serviço de radiologia, seja pessoa física ou jurídica, apresenta-se como fornecedor de serviços de exames médicos, caracterizando assim uma relação de consumo na medida em que o paciente se apresenta como consumidor. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, no caput, conceitua fornecedor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de (...) prestação de serviços”. Em seu artigo 2º, fornece também o conceito de consumidor como: “...toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Desta forma, o paciente que é submetido a um exame radiológico é, pois, um consumidor deste serviço, ou seja, nada mais é que o destinatário final, portanto, consumidor do serviço utilizado para estabelecer um diagnóstico, ou até tratamento, do seu eventual problema de saúde.

As decisões judiciais são uniformes no sentido de ser objetiva a responsabilidade das empresas prestadoras de serviços em radiologia por eventuais danos causados aos pacientes, entendendo-se como objetiva a responsabilidade que se caracteriza independentemente de culpa do agente. Em contrapartida, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, dentre eles o médico radiologista, será apurada mediante a verificação de culpa(11).

Assim, quando se analisar a responsabilidade civil de uma empresa prestadora de serviços de saúde em diagnóstico por imagem antes de considerar objetiva a responsabilidade desta, há que se averiguar, em juízo, se houve responsabilidade subjetiva (presença de culpa na atuação do profissional), do médico profissional liberal que porventura tenha causado dano a um paciente. Só, então, comprovado que o dano eventual a um paciente resultou do agir culposo do médico, poderá vir a ser responsabilizado objetivamente nos tribunais o serviço de radiologia onde o médico exercer as suas atividades.

Em regra, os serviços de radiologia são responsáveis pelos danos causados por erros dos radiologistas e outros profissionais que exerçam atividades nestes serviços médicos, caracterizando a responsabilidade in eligendo. No concernente à responsabilidade, leciona Rui Stoco(12): “Culpa in eligendo é a oriunda da má escolha do representante, ou preposto”. Acerca da mesma responsabilidade in eligendo, ensina Caio Mário da Silva Pereira(13): “...culpa in eligendo, quando há má escolha de uma pessoa a quem é confiada uma certa tarefa”.

Na mesma linha de raciocínio, apesar de não mencionar que a responsabilidade é objetiva, mas sim presumindo a culpa no agir do patrão ou comitente preponente, foi editada a Súmula 341, do Supremo Tribunal Federal (STF): “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

Portanto, os serviços de radiologia podem ser responsabilizados nos tribunais pelos prejuízos que venham a sofrer pacientes em decorrência dos procedimentos aos quais são submetidos. Esta responsabilização poderá ocorrer mesmo quando causados danos aos pacientes por seus agentes ou prepostos.

E, no que se refere aos médicos, ainda que estes não possuam vínculo laborativo com o serviço de radiologia, não estará afastada em juízo a responsabilidade pelo ressarcimento aos pacientes que porventura sofrerem dano em virtude das características das atividades profissionais desenvolvidas nestas empresas de saúde. Isto porque o preposto, médico radiologista, estará sempre executando atividades com um objetivo específico: realizar exames médicos especializados na área da radiologia oferecidos por estas entidades.

Além da responsabilidade pelos seus prepostos, os serviços de radiologia também são responsáveis pelo fato da coisa, uma vez que, através de uma interpretação extensiva, os medicamentos que ocasionarem danos aos pacientes podem gerar responsabilidade pelos prejuízos àquele que os tenha ministrado ou prescrito(14).

Neste momento, vale frisar que os contrastes radiológicos, dentre outras substâncias semelhantes utilizadas nos exames por imagem, são considerados medicamentos à luz do nosso direito positivo no Decreto Federal nº 79.094/77, em seu artigo 3º, inciso II: “Medicamento é o produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico”(15).

Desta forma, ante as considerações feitas acima, pode-se extrair que se impõe aos serviços de radiologia o dever de cuidar da conservação dos pacientes para que estes estejam sempre livres de qualquer dano, desenvolvendo atividades que não os coloque em risco, mormente quando estes riscos são desnecessários. Aliás, será sempre necessário levar-se em conta a relação risco-benefício dos procedimentos favoráveis ao paciente, em respeito a outro dos três princípios básicos da ética médica, ou seja, o princípio da beneficência/não maleficência, o terceiro seria o da justiça(16).

Fundamentos dos processos entre pacientes e os serviços de radiologia

Neste tópico, deve-se mencionar que os principais aspectos atinentes ao diagnóstico do câncer de mama que podem servir de fundamento para litígios entre médicos, serviços de radiologia e pacientes são os diagnósticos falso-negativos, diagnósticos falso-positivos e falha na comunicação.

Diagnósticos

Diagnósticos falso-negativos


Em regra, os diagnósticos falso-negativos quase sempre servem de arrimo para a maioria das ações ajuizadas em face dos serviços de radiologia e médicos radiologistas. Algumas décadas passadas, as fraturas não diagnosticadas eram as causas mais ordinárias dos pleitos judiciais. No final da década de 80, os erros falso-negativos de tumores malignos, mormente os de câncer de pulmão e do cólon, se transformaram numa base mais significativa.

A título de exemplo, a falha no diagnóstico da neoplasia mamária foi apontada em 2002 pelo relatório da Physicians Insures Association of América (PIAA — uma organização que reúne 26 companhias de seguro de responsabilidade civil médica) como condição mais usual e segunda mais cara relacionada a ações entre pacientes e médicos das mais variadas especialidades, sendo os radiologistas os especialistas mais regularmente acionados(16).

Com efeito, os erros de diagnóstico podem ser oriundos das falhas de percepção ou erros de julgamento. A falha de percepção ocorre quando um achado anormal não é percebido. Já o erro de julgamento refere-se a uma anormalidade detectada, porém não interpretada adequadamente. Nas duas hipóteses estará viabilizada a causa de pedir de uma possível ação indenizatória. Todavia, vale lembrar que não é fácil diferenciar erros simples de uma transgressão de um padrão de conduta.

Outro ponto que não se pode olvidar é a realidade de que alguns tumores mamários serão evidentes apenas em estudos retrospectivos, ainda que o exame inicial tenha sido analisado com satisfatório padrão de cuidado. Realmente, constatam-se, não com rara frequência, que alguns tumores podem ser considerados não suspeitos mesmo pelos radiologistas mais experientes, tornando sua malignidade evidente tão somente depois de uma análise comparativa com estudos subsequentes. Um fato importante na comparação entre exames é que tumores com crescimento lento podem apresentar variações muito pequenas entre as mamografias; isto pode levar o radiologista a minimizar o achado e causar um falso-negativo(17).

Isto porque a mamografia tem sensibilidade próxima de 90% para mamas densas, aumentando para 96,5% nas predominantemente adiposas, o que nos leva a entender que lesões não detectadas pelo método não deveriam servir sequer como esboço para uma demanda judicial(17).

Diagnósticos falso-positivos

Como é do conhecimento geral, o diagnóstico falso-negativo tem chamado mais atenção, porque ainda que o diagnóstico falso-positivo venha a causar muitos transtornos ao paciente, estes nem se comparam a um diagnóstico falso-negativo que esconde a existência ou a malignidade de um tumor, gerando não raro o óbito do paciente.

Por outro lado, os diagnósticos falso-positivos podem acarretar problemas derivados do uso excessivo de medicamentos, biópsias desnecessárias, exposição frequente e excessiva à radiação, o que talvez possa servir de base para o ajuizamento de ações por pacientes, cujo sucesso ou insucesso se revelaria imprevisível. A especificidade está diretamente ligada com o número de falso-positivos: o risco acumulado de um exame falso-positivo após 10 exames mamográficos é de 50%. Em um estudo de Elmore et al.(18), com 2.169 mulheres, a taxa de falso-positivos foi maior para radiologistas com menos de 15 anos de experiência do que para aqueles com mais de 15 anos de experiência. Atualmente, o volume de mamografias recomendado para um radiologista é de 480 mamografias/ano(17).

Realmente, deve-se levar em conta que o estado de saúde da paciente indubitavelmente se transforma ao ser informada que no seu exame mamográfico existe a suspeita de um câncer de mama e uma biópsia se faz necessária. Radiologistas podem induzir imediatamente a modificação no estado de humor ou, dependendo do caso, até de saúde de uma paciente quando sugerem a existência de um câncer que na realidade não existe.

Por fim, um diagnóstico falso-positivo pode determinar estresse emocional tão elevado a ponto de tornar a paciente incapacitada psicológica e momentaneamente para o trabalho. Não raro, este tipo de diagnóstico pode acarretar na realização de cirurgias desnecessárias, o que sem dúvida alguma consubstancia um forte alicerce para o ajuizamento de ações(17).

Falhas na comunicação

A comunicação eficiente dos resultados encontrados através do exame mamográfico é indispensável para o correto uso das informações obtidas neste exame, uma vez que a identificação de uma anormalidade na mamografia, se não for sucedida do tratamento médico adequado em tempo hábil, não acarretará em nenhum benefício à paciente.

É inegável que mesmo existindo situações satisfatórias de comunicação com a paciente, isto é, por intermédio de relatório impresso e/ou contato telefônico, ainda assim podem ocorrer atrasos no início ou no seguimento do tratamento. Por outro lado, quando esta comunicação não ocorrer adequadamente, o prejuízo será efetivo, podendo ser atribuído tanto ao médico como a outro profissional da área de saúde.

Diante deste quadro, pode-se entender que os radiologistas podem ser considerados negligentes na hipótese de não notificação do médico requisitante de maneira oportuna sobre os achados mamográficos relevantes. Portanto, pode-se constatar que um dos deveres dos radiologistas está em comunicar de forma efetiva os resultados desses achados mamográficos no tempo correto.


ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS (JURISPRUDÊNCIAS)

Com o intuito de ilustrar o presente trabalho, bem como de trazer para a realidade fática os conceitos desenvolvidos nos tópicos anteriores e facilitar a compreensão do tema em discussão, faz-se necessária, no presente momento, análise de alguns casos concretos levados ao Poder Judiciário.

O primeiro caso diz respeito a uma ação ajuizada com o objetivo de pleitear danos morais em virtude de erro no diagnóstico do câncer de mama, no qual o médico foi condenado a pagar indenização aos herdeiros da paciente no valor de R$72.000,00. Após as consultas iniciais, a paciente apresentou ao médico mamografia cujo resultado indicava a necessidade de realização de biópsia. No entanto, o médico não determinou a realização do exame, o que inviabilizou a descoberta da doença num estágio inicial. Em virtude desta conduta culposa, a paciente só veio a descobrir câncer de mama dois anos mais tarde, através de outro profissional, o que acarretou no falecimento da paciente no curso da ação(19).

No segundo caso, restou afastada a responsabilidade do médico e do hospital por responsabilidade exclusiva de terceiro que realizou biópsia equivocada. O médico ministrou o tratamento com base em biópsia realizada por laboratório de terceiro que apontava apenas displasia mamária (alteração de índole benigna), afastando o diagnóstico do câncer. Porém, quando o exame foi refeito por instituto especializado, que detectou o equívoco do anterior, identificando o câncer de mama, já era tarde demais, obrigando à realização de mastectomia radical e acarretando, posteriormente, no óbito da paciente(20).

No terceiro caso, restou comprovado o defeito na prestação de serviço. O erro de diagnóstico provocou a retirada da mama direita e tratamento quimioterápico para terapêutica do câncer. A instituição de saúde foi condenada no pagamento de danos morais fixados em R$20.000,00 e no custeio de cirurgia plástica restauradora. No caso, a paciente foi submetida a exame de mamografia em 21/9/2005 e de ultrassonografia mamária em 2/2/2006, realizados pela casa de saúde ré na ação, com laudos negativos para cisto mamário. Realizada ultrassonografia mamária em outro estabelecimento, em 13/2/2006, foi constatada a presença de nódulo sólido na mama direita. A perícia produzida nos autos do processo concluiu que ambos os exames clínicos de imagem realizados pela ré apresentaram laudos defeituosos. A análise pericial das imagens do mesmo exame diagnosticou nódulo altamente suspeito desde o exame realizado em 21/9/2005. O erro no diagnóstico causado exclusivamente pelo defeito no exame clínico realizado pela ré gerou o dever de indenizar(21).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto no decorrer deste trabalho, os serviços de radiologia, por serem campo de atuação dos médicos radiologistas e outros profissionais de saúde quando no atendimento a pacientes, utilizando-se dos equipamentos e instalações tecnologicamente adequados para casos, que, sem dúvida, tendem a serem os mais complexos por necessitarem atenção em cuidados de saúde no ambiente hospitalar, são, por vezes, palcos de atos causadores de danos a determinados pacientes.

O presente trabalho discorreu a forma como em nosso ordenamento jurídico é abordada a responsabilidade civil destes médicos e dos serviços de radiologia e de como os tribunais brasileiros têm enfrentado esta questão. Recomenda-se evitar a interpretação de exames de má qualidade e obter o máximo de informações com o paciente através de formulário informativo para classificação dos fatores de risco para câncer de mama.

Além de realizar nova leitura do exame através de revisão por outro radiologista, a interação com o médico assistente é de fundamental importância. Deve-se, através do laudo, transmitir ao médico assistente da paciente todas as informações necessárias, sempre que possível de forma pormenorizada, informando os achados encontrados no exame físico das mamas, relatar a presença de assimetria mamária quando presente, as alterações na pele e no tecido celular subcutâneo, o tipo do parênquima mamário, os achados de imagem (microcalcificações, nódulos, distorção arquitetural), descrevendo a exata localização destes e a classificação BI-RADS. Esta conduta visa a minimizar o erro médico, evitando a responsabilidade civil e, consequentemente, o pagamento de vultosas indenizações.


REFERÊNCIAS

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19. Apelação cível 2002.001.10417. Órgão julgador: 15ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Galdino Siqueira Netto. Julgamento em 19/3/2003. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ementário: 26/2003 N. 17 02/ 10/2003.

20. Apelação cível 2003.001.13839. Órgão julgador: 2ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Jessé Torres. Julgamento em 21/7/2004. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ementário: 49/2004 N. 57 02/12/2004.

21. Apelação cível Nº 70027179423. Órgão julgador: Décima Câmara Cível. Relator: Paulo Antônio Kretzmann. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Julgado em 26/3/2009.










1. Pós-Graduação lato sensu – Faculdade Estácio de Sá, Mestrando da Pós-Graduação Radiologia stricto sensu – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Professora Titular de Medicina Nuclear da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3. Professor Titular de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Decano da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dra. Lea Mirian Barbosa da Fonseca
Rua Álvaro Ramos, 71, ap. 602, Botafogo
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22280-110
E-mail: lmirian@hucff.ufrj.br

Recebido para publicação em 26/8/2010.
Aceito, após revisão, em 10/11/2010.
Suporte financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Medicina (Radiologia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 
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