Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 3 - Maio / Jun.  of 2013

RELATO DE CASO
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Page(s) 181 to 183



Síndrome de heterotaxia: relato de caso*

Autho(rs): Daniel de Souza Carneiro1; Jamil Hussein de Arantes2; Gustavo Veloso de Souza2; Aline Santos Barreto2; Mychaell Luciano Cardoso2; Flávia Gontijo2

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Texto em Português English Text

Descritores: Síndrome de heterotaxia; Situs inversus; Baço - anormalidades.

Keywords: Heterotaxy syndrome; Situs inversus; Spleen - abnormalities.

Resumo:
Neste trabalho são apresentados os achados na angiotomografia computadorizada do tórax de uma paciente de 28 anos com síndrome de heterotaxia. Esta consiste em diversas anormalidades de posicionamento e morfologia de órgãos toracoabdominais, que não se enquadram no situs solitus ou situs inversus. Os exames de imagem são fundamentais na individualização da abordagem do paciente.

Abstract:
The present report describes the findings at chest computed tomography angiography of a 28-year-old female patient with heterotaxy syndrome. This syndrome consists of a variety of anomalies of position and morphology of thoracoabdominal organs which do not follow the situs solitus or situs inversus arrangement. Imaging studies play a fundamental role in the individualization of the approach to the patient.

INTRODUÇÃO

A síndrome de heterotaxia (do grego heteros - diferente e taxis - arranjo) consiste em diversas anormalidades de posicionamento e morfologia de órgãos toracoabdominais, que não se enquadram no posicionamento ordenado habitual de lateralidade dos órgãos (situs solitus) ou de sua imagem em espelho (situs inversus)(1-3). Trata-se de uma entidade rara e sua gravidade se deve principalmente às manifestações cardíacas.

Termos como asplenia (isomerismo direito) e poliesplenia (isomerismo esquerdo) têm entrado em desuso em razão do grande espectro de achados anatômicos, não existindo, portanto, nenhuma característica patognomônica que permita a subclassificação por esses termos(3).


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 28 anos de idade, apresentando quadro clínico de dispneia desde a infância, classe funcional II da Organização Mundial da Saúde. Aos dois anos foi submetida a cateterismo, tendo sido encontrados dextrocardia, átrio funcionalmente único, transposição corrigida dos grandes vasos da base, persistência do canal arterial e comunicação interventricular. Já na fase adulta, o ecocardiograma evidenciou isomerismo atrial esquerdo e dextrocardia, interrupção da veia cava inferior, defeito do septo atrioventricular (forma parcial), canal arterial pérvio amplo com shunt aortopulmonar. Há cinco anos foi diagnosticada hipertensão pulmonar importante.

Há quatro meses a paciente apresentou piora súbita da dispneia, associada a dor torácica, leve cianose, sopro sistólico mais bem audível no foco pulmonar, com desdobramento fixo de B2, murmúrios vesiculares fisiológicos, saturação de oxigênio de 70%.

Foi realizada angiotomografia computadorizada do tórax, que mostrou dextrocardia e cardiomegalia com predomínio de câmaras direitas, defeito do septo atrial, aumento do calibre do tronco pulmonar (35 mm) sem sinais de tromboembolismo pulmonar, aorta ascendente ectásica com segmento descendente à esquerda, interrupção da veia cava infra-hepática e ingurgitamento da veia ázigos desde a porção infradiafragmática (Figuras 1 e 2). Outros achados foram poliesplenia e pulmões bilobados, com brônquios principais cursando inferiormente às artérias pulmonares, fígado em posição central, configurando a síndrome de heterotaxia (Figuras 3 e 4).


Figura 1. Angiotomografia computadorizada do tórax identificando dextrocardia, cardiomegalia e defeito do septo atrial (seta).


Figura 2. Angiotomografia computadorizada do tórax demonstrando aorta ascendente ectásica (ponta de seta) com segmento descendente à esquerda (seta preta), ingurgitamento da veia ázigos (seta branca), além de aumento do calibre do tronco da artéria pulmonar (figura à direita).


Figura 3. Angiotomografia computadorizada do tórax mostrando pulmões bilobados, com brônquios principais cursando inferiormente às artérias pulmonares (seta).


Figura 4. Angiotomografia computadorizada do tórax evidenciando poliesplenia (seta) e fígado em posição central.



DISCUSSÃO

O arranjo ordenado e habitual dos órgãos no corpo humano tem início na formação embrionária, a partir de informações genéticas(4). A perda desta organização pode caracterizar situs inversus ou um arranjo desordenado e variável (síndrome de heterotaxia). Esta possui incidência aproximada de 1:10.000 nascimentos e é ligeiramente mais prevalente no sexo masculino, na razão de 2:1(3,5).

Anormalidades cardíacas estão presentes em 50-100% dos pacientes(3) e, geralmente, respondem pela gravidade e mortalidade dos portadores desta síndrome. Existem inúmeras alterações extracardíacas na síndrome de heterotaxia: anormalidades do sistema urinário, das vias biliares, hepáticas, atresia duodenal, má rotação gastrintestinal e diversas alterações cardiovasculares(6).

A forma previamente chamada de "asplenia" geralmente apresenta duplicação das estruturas presentes no dimídio direito, possuindo pulmões trilobares, átrio esquerdo com morfologia equivalente ao átrio direito, fígado posicionado centralmente, aorta e veia cava inferior situadas à esquerda, além de má rotação intestinal.

Na maioria destes casos, o óbito ocorre precocemente(3) em consequência de complicações de defeitos cardíacos congênitos, notadamente a existência de uma câmara atrioventricular única. Outras complicações relatadas são alterações imunológicas e vólvulos intestinais(7).

Na forma previamente chamada de "poliesplenia" geralmente há duplicação das estruturas do dimídio esquerdo, apresentando pulmões bilobares, átrio direito anatomicamente idêntico ao átrio esquerdo, fígado com posição também central, ausência do segmento hepático da veia cava inferior com continuação pela veia ázigos ou hemiázigos, além de má rotação intestinal. As alterações cardíacas são menos frequentes e mais brandas, explicando uma maior prevalência destes achados em indivíduos com idade mais avançada(3).

A multiplicidade e diversidade de achados contidos nesta síndrome tornam de extrema valia a individualização dos casos, visto que a maioria não se enquadra perfeitamente a uma classificação.Assim, a avaliação radiológica é imprescindível na identificação e no planejamento da abordagem de pacientes com complicações cardíacas, imunológicas ou afecções cirúrgicas, tornando possível a avaliação das alterações presentes em cada paciente(8).

Agradecimento

Agradecemos o apoio da Dra. Cláudia Juliana Rezende e do Dr. Frederico Tadeu Figueiredo Campos, e também à paciente, que disponibilizou o exame para esta publicação.


REFERÊNCIAS

1. Kim SJ. Heterotaxy syndrome. Korean Circ J. 2011;41:227-32.

2. Kim SJ, Kim WH, Lim HG, et al. Outcome of 200 patients after an extracardiac Fontan procedure. J Thorac Cardiovasc Surg. 2008;136:108-16.

3. Applegate KE, Goske MJ, Pierce G, et al. Situs revisited: imaging of the heterotaxy syndrome. Radiographics. 1999;19:837-52.

4. Shiraishi I, Ichikawa H. Human heterotaxy syndrome - from molecular genetics to clinical features, management, and prognosis -. Circ J. 2012;76:2066-75.

5. Lin AE, Ticho BS, Houde K, et al. Heterotaxy: associated conditions and hospital-based prevalence in newborns. Genet Med. 2000;2:157-72.

6. Phoon CK, Neill CA. Asplenia syndrome: insight into embryology through an analysis of cardiac and extracardiac anomalies. Am J Cardiol. 1994;73:581-7.

7. Mahalik SK, Khanna S, Menon P. Malrotation and volvulus associated with heterotaxy syndrome. J Indian Assoc Pediatr Surg. 2012;17:138-40.

8. Vyas HV, Greenberg SB, Krishnamurthy R. MR imaging and CT evaluation of congenital pulmonary vein abnormalities in neonates and infants. Radiographics. 2012;32:87-98.










1. Mestre, Médico Residente de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Madre Tereza, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Médicos Residentes de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Madre Tereza, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Daniel de Souza Carneiro
Centro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Avenida Raja Gabaglia, 1002, Bairro Gutierrez
Belo Horizonte, MG, Brasil, 30441-070
E-mail: danielmed124@gmail.com

Recebido para publicação em 1/10/2012.
Aceito, após revisão, em 3/12/2012.

* Trabalho realizado no Instituto das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada - Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil.
 
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