ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Jessyca Couto Otoni1; Marcela Pecora Cohen2; Almir Galvão Vieira Bitencourt2 |
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Descritores: Radiologia; Relações médico-paciente; Diagnóstico; Ética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Há mais de 120 anos, desde a descoberta dos raios X em 1895, que a atuação médica no diagnóstico por imagem passou por grandes transformações, que vão desde sua evolução tecnológica à relação do radiologista com os pacientes. No início da especialidade, começo do século XIX, quando os próprios radiologistas realizavam e interpretavam os exames, os resultados eram diretamente comunicados ao paciente por este profissional, que então tinha um contato direto com o paciente. Porém, a partir de 1922 nos Estados Unidos e 1957 no Brasil, foram descritos qualificações e requisitos de licenciamento para os técnicos em radiologia, que se tornaram os responsáveis pela realização dos exames, ficando para o radiologista o papel de interpretar as imagens. Esta mudança afastou o radiologista dos pacientes, tornando-o "invisível" a estes. Desde esse período, o radiodiagnóstico passou pela legitimação como uma especialidade médica e o reconhecimento desta pelas demais especialidades clínicas e cirúrgicas, processo este que durou até os anos 70, quando da invenção da tomografia computadorizada, deixando o especialista em imagem indiretamente ligado ao paciente e na retaguarda do cuidado deste(1). Atualmente, a alta demanda de exames radiológicos, a praticidade da era digital e a criação da telerradiologia, aliadas à disseminação dos meios diagnósticos e de serviços de imagem, afastaram ainda mais o radiologista do paciente(2). No entanto, ainda há exames e rotinas em que o radiologista tem maior contato com o paciente, como na ultrassonografia, radiologia intervencionista e mamografia. Os pacientes, por sua vez, querem cada vez mais entender sua doença e construir uma relação equilibrada com seu médico. Para isso, solicitam do especialista em imagem uma relação mais próxima e com uma comunicação mais clara e direta do resultado de seus exames(3). Diante disto, torna-se necessária a reaproximação do radiologista do paciente. O objetivo deste artigo é revisar o papel do radiologista na comunicação médico-paciente nos exames diagnósticos. PAPEL DO RADIOLOGISTA Sabemos que o principal papel do radiologista é interpretar as imagens, fazer hipóteses diagnósticas e indicar suas impressões sobre os exames. Mas, qual a melhor forma de comunicar o diagnóstico? Atualmente, na maioria dos serviços, essa comunicação é feita por meio de laudos escritos direcionados aos médicos solicitantes, a quem os pacientes têm livre acesso. Além disso, foi demonstrado que 60% a 90% dos radiologistas não conhecem ou não viram o seu paciente(4) e que 70% dos processos de má prática da medicina estavam associados a uma comunicação deficiente entre o médico e seu paciente(5). Estes aspectos fazem com que o contato verbal entre o radiologista e o paciente seja essencial para o desenvolvimento do radiologista moderno e a boa prática da medicina. Entretanto, deve o radiologista comunicar diretamente ao paciente os achados do exame e sua impressão? Isto deve ser obrigatoriamente feito pelo radiologista? Como se sente o paciente diante deste profissional? O radiologista está preparado e está no ambiente adequado para transmitir notícias ruins aos pacientes? OPINIÃO DOS PACIENTES E MÉDICOS Segundo Tondeur et al., não é porque o paciente tem o direito de saber sobre seu estado de saúde que este deve ser transmitido sem precauções. Muitos pacientes não querem realmente saber toda a verdade e alguns não querem saber nada(6). Um estudo feito por Schreiber et al., na Universidade do Texas, demonstrou que 92% dos pacientes preferem receber o diagnóstico normal pelo radiologista, 87% também o preferem mesmo que o resultado não seja normal, e 7% dos pacientes preferem que o diagnóstico seja dito apenas quando eles próprios perguntarem(7). Isto demonstra que a maioria dos pacientes prefere ouvir os resultados de exames do radiologista e no momento do procedimento, em vez de ouvi-los mais tarde pelo médico solicitante. Avaliando a opinião dos médicos sobre essa comunicação, outro estudo realizado na mesma instituição demonstrou que a maioria dos médicos, incluindo os radiologistas, concorda que os radiologistas devem comunicar o diagnóstico ao paciente apenas quando for solicitado, e informar o médico solicitante sobre o resultado e essa comunicação(8). Levitsky et al. também realizaram um estudo enviando questionários a vários estados americanos para a avaliação dos médicos, incluindo radiologistas, sobre a comunicação dos achados de imagem ao paciente que o deseja saber. Para resultados normais, encontraram que 89% dos radiologistas e 76% dos médicos de outras especialidades concordam que o paciente deve ser informado do resultado de seu exame. Já para anormalidades graves, esse valor caiu para 33% entre os radiologistas e 28% entre os demais médicos. Isto demonstra a insegurança do radiologista em transmitir diagnósticos graves, o que está, provavelmente, relacionado ao seu despreparo com esse tipo de situação(9). Trabalho realizado na Bélgica, onde o código de ética diz que radiologistas não devem comunicar o diagnóstico ao paciente, demonstrou que mais de 90% dos médicos concordam que o radiologista nunca, ou apenas em circunstâncias precisas, deve transmitir o resultado de exames ao paciente. Em contrapartida, 80% dos pacientes não concordam que nunca o radiologista deve transmitir o resultado no final do exame, mas que este deve dar uma noção do seu diagnóstico ao paciente e o médico solicitante deve dar o diagnóstico completo. Isto ocorre não só porque o paciente não tem conhecimento do código de ética médica, como também porque é frequente o paciente perguntar o resultado, ao final do exame(6). A discrepância entre os resultados desses trabalhos, realizados em diferentes locais, pode ser explicada pelas próprias diferenças culturais. O RADIOLOGISTA ESTÁ PREPARADO? Quando o radiologista está na frente do paciente e, muitas vezes, descobre uma anormalidade, deve ser cuidadoso ao encontrar as primeiras palavras para comunicar este achado. E ainda, muitas vezes não é capaz de propor um tratamento, uma vez que isto foge ao escopo de sua especialidade. Esta tarefa torna-se ainda mais difícil pela falta de formação específica do radiologista em psicologia e na gestão de situações delicadas, como anunciar más notícias. Em situações mais estressantes, como a descoberta de metástases, há um grande risco de abordagem imprópria ou desastrada pelo radiologista, o que pode ser prejudicial ao paciente. Além disso, o radiologista nem sempre sabe o que já foi dito ao paciente sobre sua doença, daí a importância de equipes multidisciplinares e do trabalho conjunto entre radiologistas e solicitantes. Não existe solução universal para esta abordagem, portanto, o radiologista deve adaptar-se caso a caso. Embora não haja uma boa maneira de anunciar más notícias, há certamente os maus caminhos, e o radiologista deve estar atento a algumas regras que podem ajudá-lo: não ter essa conversa em corredores e com pressa, mas em ambientes calmos e aconchegantes, que garantam a privacidade do paciente, olhando-o no mesmo nível e estabelecendo contato visual, com empatia e respeito aos seus desejos, pronto para ouvi-lo, garantindo assim seus direitos(10). TENTATIVAS DE PADRONIZAÇÃO DE CONDUTAS Goske et al. desenvolveram o RADPED, que é um checklist mnemônico para ajudar residentes de radiologia na comunicação médico-paciente dentro da radiologia pediátrica, mas que se aplica a pacientes em geral. Esse método define os seguintes passos: 1) criar afinidade com o paciente (rapport); 2) obter informações (ask) do paciente sobre sua doença e o motivo do exame; 3) explicar como é o procedimento (discuss); 4) realizá-lo (perform the procedure); 5) usar técnicas de distração durante o exame (exam distraction techniques) como filmes, músicas, brinquedos; 6) discutir o resultado (discuss). Nesse momento é apropriado comunicar os achados radiológicos do exame ao paciente. Quando o achado é normal, a comunicação é mais fácil para o radiologista e traz muito alívio para o paciente. Quando é necessário mais tempo para a análise do exame, é conveniente informar ao paciente e definir um prazo de entrega. Quando uma anormalidade grave é detectada e o paciente deseja saber o resultado, o ideal é que haja comunicação com o médico solicitante sobre a melhor forma de conduzir o caso, antes de informar ao paciente ou, quando isto não é possível, é prudente que se comunique ao paciente que há um problema que precisa ser investigado e é necessário rápido retorno com o médico solicitante(5). O código de ética médica do Conselho Federal de Medicina no Brasil estabelece que "é vedado ao médico.... (art. 34) deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal"(11). Isto define que, mesmo quando o paciente não deseja saber seu diagnóstico, o médico não pode deixar de informá-lo, seja diretamente ao paciente ou ao seu acompanhante ou representante legal. Mas, o radiologista tem habilidade para fazer isto sem provocar dano ao paciente, também conforme nosso código de ética? CONCLUSÃO O preparo do radiologista durante a residência médica para comunicação médico-paciente é escasso, mas essencial para melhoras nessa área da especialidade em longo prazo. O relatório escrito muitas vezes é insuficiente para comunicar um diagnóstico, especialmente quando ele é desfavorável, como acontece frequentemente em um hospital oncológico. A radiologia está cada vez mais carente de uma boa comunicação médico-paciente, e não há dúvidas de que a radiologia moderna exige mudanças. REFERÊNCIAS 1. Glazer GM, Ruiz-Wibbelsmann JA. The invisible radiologist. Radiology. 2011;258:18–22. 2. Krestin GP. Commoditization in radiology: threat or opportunity? Radiology. 2010;256:338–42. 3. Baile WF, Buckman R, Lenzi R, et al. SPIKES–a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5:302–11. 4. Margulis AR, Sostman HD. Radiologist-patient contact during the performance of cross-sectional examinations. J Am Coll Radiol. 2004;1:162–3. 5. Goske MJ, Reid JR, Yaldoo-Poltorak D, et al. RADPED: an approach to teaching communication skills to radiology residents. Pediatr Radiol. 2005;35:381–6. 6. Tondeur M, Ham H. Transmission of examination results to patients: opinion of referring physicians and patients. Acta Clin Belg. 2002;57:129–33. 7. Schreiber MH, Leonard M Jr, Rieniets CY. Disclosure of imaging findings to patients directly by radiologists: survey of patients'' preferences. AJR Am J Roentgenol. 1995;165:467–9. 8. Schreiber MH. Direct disclosure by radiologists of imaging findings to patients: a survey of radiologists and medical staff members. AJR Am J Roentgenol. 1996;167:1091–3. 9. Levitsky DB, Frank MS, Richardson ML, et al. How should radiologists reply when patients ask about their diagnoses? A survey of radiologists'' and clinicians'' preferences. AJR Am J Roentgenol. 1993;161:433–6. 10. Hammond I, Franche RL, Black DM, et al. The radiologist and the patient: breaking bad news. Can Assoc Radiol J. 1999;50:233–4. 11. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina; 2010. 1. Médica Radiologista do A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil 2. Doutores, Médicos Radiologistas do A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil Trabalho realizado no Departamento de Imagem do A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Dra. Jessyca Couto Otoni Rua Professor Antonio Prudente, 211, Liberdade São Paulo, SP, Brazil, 01509-010 E-mail: jessyca_otoni@hotmail.com Recebido para publicação em 19/5/2017. Aceito, após revisão, em 3/7/2017. |