Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 52 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2019

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 397 to 402



Twist and shout: achados da ressonância magnética na torção ovariana

Autho(rs): Matheus Menezes Gomes1,a; Larissa Sobral Cavalcanti1,b; Rainier Luz Reis1,c; Eduardo Just da Costa e Silva1,2,d; Joanna Braynner Dutra1,3,e; Andréa Farias de Melo-Leite1,4,f

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Texto em Português English Text

Descritores: Ressonância magnética; Ovário; Anormalidade de torção; Neoplasias ovarianas; Cistos ovarianos.

Keywords: Magnetic resonance imaging; Ovary; Torsion abnormality; Ovarian neoplasms; Ovarian cysts.

Resumo:
A torção anexial é caracterizada por rotação parcial ou completa do ligamento suspensor do ovário e seu pedículo vascular correspondente, resultando em comprometimento vascular que pode culminar em infarto hemorrágico e necrose tecidual do ovário e da tuba uterina. Diante da gama de diagnósticos diferenciais de dor pélvica aguda, o diagnóstico é muitas vezes considerado desafiador, devendo o radiologista estar familiarizado com os principais achados de imagem. Nesse quesito, destacam-se os sinais característicos de torção anexial na ressonância magnética, incluindo aumento do volume ovariano com edema estromal, distribuição periférica de seus folículos, espessamento e edema da tuba uterina correspondente associados ou não à massa anexial – às vezes, fator predisponente – que se insinua para a linha média e, ainda, o clássico e patognomônico “sinal do redemoinho”. O objetivo deste ensaio é ilustrar e revisar os diferentes achados de torção ovariana detectados pela ressonância magnética.

Abstract:
Adnexal torsion is characterized by partial or complete rotation of the suspensory ligament of the ovary and its corresponding vascular pedicle, resulting in vascular impairment that can culminate in hemorrhagic infarction, as well as necrosis of the ovary and fallopian tube. Because there are myriad causes of acute pelvic pain, the differential diagnosis of ovarian torsion is often challenging. Consequently, radiologists should be familiar with the main imaging findings. In this regard, there are typical signs of ovarian torsion on magnetic resonance imaging, including increased ovarian volume with stromal edema and peripheral distribution of the ovarian follicles, as well as thickening of the fallopian tube, an adnexal mass (causal factor) that shifts toward the midline, and the classic, pathognomonic “whirlpool sign”. The objective of this essay was to review and illustrate the various magnetic resonance imaging findings in ovarian torsion.

INTRODUÇÃO

A torção anexial é caracterizada por rotação parcial ou completa do ligamento suspensor do ovário e seu pedículo vascular correspondente, acompanhada de rotação do ovário, da tuba uterina, ou de ambos, resultando em comprometimento vascular que pode culminar em necrose tecidual dessas estruturas(1). É considerada a quinta emergência ginecológica mais comumente encontrada em mulheres adultas(2), porém, não raro, seu diagnóstico é dificultado por uma apresentação clínica considerada inespecífica e muitas vezes mascarada por outras causas concomitantes de dor pélvica aguda.

Embora a ultrassonografia tenha se mostrado um método de triagem consagrado na propedêutica das emergências ginecológicas, frequentemente se requer análise complementar, por limitações técnicas e de resolução tecidual, para o diagnóstico de torção anexial, destacando-se nesse contexto o papel da ressonância magnética (RM). É de fundamental importância, portanto, que o radiologista esteja familiarizado com as diferentes formas de apresentação dessa condição ginecológica.

O objetivo deste ensaio é ilustrar e revisar os diferentes achados de torção ovariana detectados pela RM por meio de imagens de casos selecionados do arquivo de ensino do nosso serviço.


ANATOMIA E FISIOPATOLOGIA

O ovário é conectado à parede pélvica pelo ligamento infundibulopélvico (ligamento suspensor do ovário), que o situa lateral ou superiormente ao útero. Os vasos ovarianos, por sua vez, acompanham o ligamento suspensor. Já o aspecto medial do ovário se conecta ao útero pelo ligamento útero-ovárico, composto de tecido muscular e fibroso e que ainda fornece vascularização proveniente da artéria uterina(3).

Quando um cisto ou massa ovarianos rotacionam ambos os ligamentos suspensor e uterino, ocorre torção, que usualmente envolve tanto o ovário quanto a tuba uterina(3). Assim que ocorre a torção do ligamento suspensor, há comprometimento dos fluxos venoso e linfático do ovário correspondente, porém, o influxo arterial se encontra, a princípio, preservado, porque as artérias têm paredes musculares espessas e são menos propensas a sofrerem colapso. Consequentemente, ocorrem edema e aumento do volume ovariano, que com o tempo, após progressivo aumento de pressão, são sucedidos por trombose arterial e, finalmente, isquemia e infarto. Caso a torção seja incompleta, ainda assim a pressão hidrostática capilar permanece aumentada e obstrui a drenagem linfática, cursando com edema ovariano maciço(4–7).


QUADRO CLÍNICO

Os sintomas de torção ovariana são frequentemente inespecíficos, tornando difícil a sua diferenciação com outras causas de dor abdominal aguda. A apresentação clássica inclui dor pélvica unilateral, massa palpável e sinais de irritação peritonial. Sintomas inespecíficos, como náusea e vômito, podem estar presentes. Em alguns casos, as pacientes sentem dores intermitentes, dificultando ainda mais o diagnóstico, sendo relacionadas a episódios de torção e distorção com intervalos assintomáticos entre eles(1,8).

O diagnóstico diferencial inclui apendicite, diverticulite, cólica nefrética, doença inflamatória pélvica, cisto de corpo lúteo e endometriose(2,9–14), e o diagnóstico definitivo requer laparoscopia(8).


ACHADOS DE IMAGEM NA RM

A presença de lesão anexial sólida ou cística é considerada o principal fator predisponente para a torção ovariana, observada em até 60% dos casos, sendo os cistos funcionais e o teratoma maduro cístico as lesões mais comuns, sobretudo se maiores que 5,0 cm(1,15–18). Também são descritos casos de torção predispostos por cistos paraovarianos (Figura 1A), cistos ovarianos no contexto da síndrome de hiperestimulação ovariana(17), bem como cistos de corpo lúteo durante o primeiro trimestre de gestação(4). Dentre as massas sólidas, destacam-se as de natureza fibrosa, caracterizadas por seu aspecto heterogêneo e pelo marcado hipossinal nas sequências ponderadas em T2 (Figura 1B). No contexto de torção ovariana, comumente ocorre o desvio contralateral da lesão ovariana com insinuação para a linha média, como observado nas Figuras 2 e 3.


Figura 1. Imagens de RM, em planos sagital (A) e coronal (B), na ponderação em T2. A: Observa-se ovário de volume preservado, com formação expansiva cística hiperintensa adjacente, compatível com cisto paraovariano (setas). B: Imagem de outra paciente, em que se observa ovário de volume aumentado, devido à formação expansiva, hipointensa e heterogênea, compatível com fibroma (seta). Nota-se, ainda, edema do parênquima ovariano de localização periférica (asteriscos).


Figura 2. Imagens de RM em planos coronais, na ponderação em T2. A: Observa-se ovário direito com posição e volume normais (seta). B: Observa-se ovário esquerdo de volume aumentado e desviado para a direita, devido à presença de formação expansiva hipointensa e heterogênea, compatível com fibroma (seta longa). Nota-se, ainda, pedículo vascular ectasiado (setas curtas).


Figura 3. Imagens de RM, em planos axiais, na ponderação em T2. A: Observa-se ovário direito com posição e volume normais (seta). B: Observa-se ovário esquerdo de volume aumentado e desviado para a direita, devido à presença de formação expansiva hipointensa e heterogênea, compatível com fibroma/ fibrotecoma (asterisco). C: Peça cirúrgica demonstrando lesão lobulada correspondente, que revelou tratar-se de fibrotecoma.



O achado radiológico mais comum na torção ovariana, embora inespecífico, é o de ovário aumentado de volume (maior que 4,0 cm no maior diâmetro), com sinais de edema e/ou hemorragia estromais caracterizados por elevado sinal nas sequências ponderadas em T2 em sua porção central, com distribuição periférica de seus folículos(19) (Figura 4).


Figura 4. Imagens de RM, em planos coronal (A) e sagital (B), na ponderação em T2. A: Observa-se volumosa formação cística anexial (cisto paraovariano – asterisco) como fator causal da torção ovariana. Identifica-se área hiperintensa na região central do ovário (seta preta), compatível com edema estromal, havendo consequente deslocamento dos folículos para a periferia ovariana (seta branca). B: Observa-se outra volumosa formação cística anexial (cisto paraovariano – asterisco) como fator causal da torção ovariana. O hipersinal na região central do ovário, compatível com edema estromal (seta preta), e o consequente deslocamento dos folículos para a periferia ovariana (seta branca) também estão presentes.



O sinal considerado patognomônico para torção ovariana, embora muitas vezes de difícil caracterização, é a rotação do pedículo vascular ovariano – “sinal do redemoinho” –, identificado em menos de um terço das pacientes submetidas a tomografia computadorizada ou RM(20,21). As imagens obtidas nos planos coronal e sagital após a administração de contraste facilitam a sua detecção(8), sendo também útil a pesquisa de flow voids no interior da estrutura anexial para definição do trajeto vascular (Figura 5). Nas Figuras 6 e 7 é possível caracterizar melhor, em diferentes planos de RM, o pedículo vascular torcido, com imagens do tipo flow void nas ponderações em T2.


Figura 5. A–C: Imagens de RM na ponderação em T2 com supressão de gordura (SPIR) no plano sagital. Observa-se volumosa lesão ovariana (asteriscos), demonstrando torção anexial, caracterizada pelo “sinal do redemoinho” com flow voids associados (setas longas), configurando torção vascular. O ovário esquerdo com a lesão (asteriscos) encontra-se elevado, notando-se ainda edema periférico (setas curtas). D: Perioperatório demonstrando o pedículo anexial torcido e levemente isquemiado (círculo tracejado) e a lesão ovariana que posteriormente configurou um fibrotecoma.


Figura 6. Imagens de RM, em planos sagitais, na ponderação em T2, com ampliações embaixo. Observa-se pedículo ovariano torcido ao redor do seu próprio eixo. Identifica-se ovário esquerdo de volume aumentado, devido à presença de formação expansiva hipointensa e heterogênea, compatível com fibroma (asteriscos).


Figura 7. Imagens de RM, em planos coronais, na ponderação em T2, com ampliações embaixo. Observa-se pedículo ovariano torcido ao redor do seu próprio eixo. Identifica-se ovário esquerdo de volume aumentado, devido à presença de formação expansiva hipointensa e heterogênea compatível com fibroma (asteriscos).



O espessamento da trompa é uma característica comum e relevante para o diagnóstico de torção, caracterizado na imagem por uma massa heterogênea de sinal intermediário nas sequências ponderadas em T2 às vezes assumindo aspecto “em alvo”, em íntimo contato com uma massa anexial (Figura 8). Em uma série de casos incluindo 25 pacientes, foi demonstrada prevalência de 84% desse achado no contexto de torção ovariana, sendo a apresentação mais comum a de uma estrutura tubular espessada (60%), e o aspecto “em alvo” observado em 8% dos casos, mais comumente localizado entre a massa anexial e o útero(18).


Figura 8. Imagem de RM, em plano sagital, na ponderação em T2. Observase trompa uterina espessada, com espessura de 1,4 cm (seta). Identifica-se volumosa formação cística anexial (cisto paraovariano – asterisco).



Outra característica que, quando presente, fortalece o diagnóstico, é a detecção de hemorragia ovariana, seja na forma de hematoma intraovariano, hematossalpinge ou hemoperitônio. A extensão da hemorragia depende do grau e da duração da torção, com o infarto hemorrágico ocorrendo num estágio mais tardio. Nos exames de RM, o halo de hipersinal T1 intraovariano, embora não seja exclusivo dessa entidade, deve levantar a suspeita de evolução para infarto hemorrágico, a depender do contexto clínico(8). Da mesma forma, o padrão de realce do parênquima ovariano deve ser cautelosamente estudado. Embora um realce preservado e homogêneo não exclua o diagnóstico de torção – atribuível aos casos de torção intermitente ou muito recente –, um realce mínimo heterogêneo ou mesmo ausente devem levantar a suspeita de isquemia crítica em instalação(8).


CONCLUSÃO

O radiologista deve estar familiarizado com a anatomia da pelve normal e também na vigência de lesões anexiais, diante da desafiadora e comum necessidade de distinguir uma torção ovariana em paciente portadora de lesão anexial evoluindo com dor pélvica aguda de causa indeterminada.


REFERÊNCIAS

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21. Hiller N, Appelbaum L, Simanovsky N, et al. CT features of adnexal torsion. AJR Am J Roentgenol. 2007;189:124–9.










1. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil
2. Hospital das Clínicas de Pernambuco da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil
3. Hospital da Mulher do Recife, Recife, PE, Brasil
4. Clínica Lucilo Ávila Jr., Maximagem, Recife, PE, Brasil

a. https://orcid.org/0000-0003-1983-4649
b. https://orcid.org/0000-0002-4846-5865
c. https://orcid.org/0000-0002-0737-6401
d. https://orcid.org/0000-0002-0596-5827
e. https://orcid.org/0000-0003-1784-9433
f. https://orcid.org/0000-0003-0044-7278

Correspondência:
Dra. Andréa Farias de Melo-Leite
Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – Radiologia
Rua dos Coelhos, 300, Boa Vista
Recife, PE, Brasil, 50070-550
E-mail: andreafariasdemelo@hotmail.com

Recebido para publicação em 12/7/2018
Aceito, após revisão, em 6/8/2018
 
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