Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 53 nº 5 - Set. / Out.  of 2020

EDITORIAL
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Page(s) VII to VIII



Ultrassonografia automatizada das mamas: estamos prontos para colocá-la em prática no Brasil?

Autho(rs): Linei Urban

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A ultrassonografia automatizada das mamas (automated breast ultrasound – ABUS) é uma técnica ultrassonográfica na qual todo o volume da mama é escaneado com voxels quase isotrópicos, permitindo a reconstrução das imagens em todos os planos. Foi desenvolvida na década de 70, porém, não teve grande aceitação na época em razão do uso de transdutores com baixa frequência (4 a 7 MHz), que resultava em imagens com pouca qualidade. Contudo, com o aumento da importância da ultrassonografia no rastreamento do câncer de mama, ressurgiu o interesse na automação do exame. Atualmente, os sistemas utilizam transdutores com alta frequência (10 a 14 MHz) e grandes dimensões (15 a 17 cm), acoplados em um braço mecânico que desliza sobre a mama, permitindo uma leitura completa e com boa qualidade em cerca de 15 minutos(1,2).

A principal vantagem da ABUS em relação à ultrassonografia manual ou hand-held (HHUS) é a aquisição padronizada das imagens, independente do médico, permitindo uma maior reprodutibilidade do exame e acesso a todas as imagens retrospectivamente. Com esta técnica, o tempo de aquisição da imagem é separado da interpretação do exame, como nos exames de mamografia, tomossíntese e ressonância magnética. A coleta seria realizada por um técnico ou tecnólogo treinado que aplicaria um protocolo padronizado para a aquisição das imagens. A interpretação seria realizada por um radiologista em uma estação de trabalho dedicada, com tempo médio de leitura relatado na literatura de 3 a 10 minutos(2,3).

A aplicação clínica foi inicialmente focada no cenário de rastreamento e os trabalhos tiveram como objetivo testar a técnica em mulheres com mamas densas. Embora as evidências de benefícios em longo prazo sejam limitadas, o rastreamento com ABUS tem demonstrado alta sensibilidade na detecção do câncer, semelhante ao desempenho da HHUS. Vários estudos demonstraram aumento da detecção do câncer entre 1,9 e 7,7 casos por 1.000 mulheres. A sensibilidade aumentou de 21,6% até 41,0%, mas a especificidade variou. As taxas de reconvocação e biópsia aumentaram, enquanto o valor preditivo positivo 3 (PPV3) diminuiu de 4,2% até 15,8%(1–4). Um dos maiores estudos com a ABUS, denominado de SomoInsight(4), detectou, adicionalmente, 1,9 câncer por 1.000 mulheres, semelhante aos resultados do estudo randomizado J-START(5), mas inferior aos resultados do ACRIN 6666(6). A maioria dos tumores foram invasivos (93,3%), com tamanho médio de 12,9 mm e com linfonodos axilares negativos (92,6%)(4). Já as indicações da ABUS para a avaliação de pacientes sintomáticas, como nos casos de fluxo papilar ou lesões palpáveis, são bastante estudadas, porém, ainda permanecem incertas(1–3).

Como toda técnica, a ABUS possui algumas limitações. Primeiro, quanto ao tipo de mama: algumas são de difícil posicionamento, como as volumosas e com implantes. Segundo, quanto ao aparelho: não é possível avaliar algumas regiões, como a axilar, assim como existe uma maior dificuldade na região retroareolar. Terceiro, quanto à interpretação: existem alguns artefatos que são exclusivos desta técnica, assim como pode haver dificuldade na identificação de alguns sinais sutis de malignidade. Por isso, o treinamento e a experiência do médico, assim como dos técnicos e tecnólogos, desempenham papel importante na obtenção de imagens de alta qualidade, resultando em interpretação qualificada(1–3,7). Foi esse aspecto que Calas et al.(8) demonstraram no artigo publicado neste número da Radiologia Brasileira. Em apenas 1,1% dos casos a interpretação do estudo foi inaceitável. Referiram também que em 19,5% dos casos houve alguma dificuldade relatada pela técnica, como mama rígida, mama grande, mama pequena, mama flácida, esterno elevado ou anatomia difícil. Também observaram que em 6,8% dos casos ocorreu alguma limitação relatada pelo médico avaliador, como falta de compressão, avaliação incompleta da região mamária e artefatos(8).

Portanto, já estamos prontos para utilizar a ABUS na prática clínica no Brasil? A resposta não é fácil e nem simples. Isto porque para a introdução da ABUS é necessária uma mudança importante na forma como o exame é conduzido, ou seja, implica em mudança no papel desempenhado pelo médico durante o exame. No Brasil, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, a execução e a interpretação da ultrassonografia são atualmente realizadas pelo médico. E um dos objetivos da automação seria que a execução não dependa mais do médico, podendo ser realizada por técnicos ou tecnólogos treinados. Nesse contexto, o médico radiologista seria o responsável por supervisionar a realização do exame, garantir sua execução dentro dos parâmetros técnicos adequados, interpretar seus achados e fornecer o relatório médico, como na mamografia e na ressonância magnética. Seria o responsável legal pelo exame. Mas a pergunta é se temos profissionais qualificados para iniciar essa execução, já que muitas variáveis devem ser controladas durante o exame, como o ajuste da profundidade, do foco e do ganho, que devem ser otimizados individualmente, ou o reconhecimento de artefatos no curso da aquisição, de quando e como solucioná-los. Outra questão é se a paciente aceita se submeter ao exame sem a presença do médico, por estar habituada a realizá-lo dessa forma, isto em um momento de luta para reduzir os exames falso-positivos e a taxa de reconvocação no rastreamento. Outros fatores são o custo de aquisição de um equipamento de alta tecnologia, muito maior em comparação aos aparelhos tradicionais, a remuneração final do exame, que deverá incluir o técnico ou tecnólogo, além do médico, em um momento em que a ultrassonografia é um dos exames com a maior defasagem de remuneração na área da radiologia(3,7).

Enfim, a ABUS é uma técnica nova, em desenvolvimento, que tem o potencial de superar algumas limitações da ultrassonografia convencional, como a padronização da aquisição das imagens e a reprodutibilidade do exame. Entretanto, mais estudos e uma ampla discussão são necessários para definir questões referentes ao fluxo de trabalho e custo-efetividade, assim como seu papel no rastreamento complementar no Brasil.


REFERÊNCIAS

1. Karst I, Henley C, Gottschalk N, et al. Three-dimensional automated breast US: facts and artifacts. Radiographics. 2019;39:913–31.

2. Kim SH, Kim HH, Moon WK. Automated breast ultrasound screening for dense breasts. Korean J Radiol. 2020;21:15–24.

3. van Zelst JCM, Mann RM. Automated three-dimensional breast US for screening: technique, artifacts, and lesion characterization. Radiographics. 2018;38:663–83.

4. Brem RF, Tabár L, Duffy SW, et al. Assessing improvement in detection of breast cancer with three-dimensional automated breast US in women with dense breast tissue: the SomoInsight study. Radiology. 2015;274:663–73.

5. Ohuchi N, Suzuki A, Sobue T, et al. Sensitivity and specificity of mammography and adjunctive ultrasonography to screen for breast cancer in the Japan Strategic Anti-cancer Randomized Trial (J-START): a randomised controlled trial. Lancet. 2016;387:341–8.

6. Berg WA, Zhang Z, Lehrer D, et al. Detection of breast cancer with addition of annual screening ultrasound or a single screening MRI to mammography in women with elevated breast cancer risk. JAMA. 2012;307:1394–404.

7. Butler RS. Invited commentary: handheld or automated-staying focused on the goals of screening US, with response from Drs van Zelst and Mann. Radiographics. 2018;38:683–7.

8. Calas MJG, Pereira FPA, Gonçalves LP, et al. Preliminary study of the technical limitations of automated breast ultrasound: from procedure to diagnosis. Radiol Bras. 2020;53:293–300.










Clínica DAPI – Diagnóstico Avançado por Imagem, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: lineiurban@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0003-2017-9776
 
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