Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 38 nº 5 - Set. / Out.  of 2005

RELATO DE CASO
Print 

Page(s) 393 to 395



Fibrodisplasia ossificante progressiva: relato de caso

Autho(rs): Daiana Martins de Campos, Décio Valente Renck, Flavia Emilia Bebber, Ivan Brezolin Marquetto, Lívia Freire Brum, Lucas Mendes

PDF Português      

Texto em Português English Text

Descritores: Fibrodisplasia ossificante progressiva, Ossificação heterotópica, Hálux valgo, Trauma, Prevenção

Keywords: Fibrodysplasia ossificans progressiva, Heterotopic ossification, Hallux valgus, Trauma, Prevention

Resumo:
Os autores descrevem um caso de fibrodisplasia ossificante progressiva, doença hereditária caracterizada por calcificações heterotópicas do tecido conectivo, geralmente induzida por trauma, gerando imobilidade permanente das articulações. Hálux valgo, clinodactilia e polegares curtos são as principais malformações congênitas associadas. Manifesta-se na infância, sendo o diagnóstico clínico-radiológico importante, pois procedimentos invasivos exacerbam a doença. Tratamentos disponíveis são apenas paliativos, tendo a prevenção relevância nesse contexto.

Abstract:
The authors describe a case of fibrodysplasia ossificans progressiva, a hereditary disease characterized by heterotopic ossification of the connective tissues, usually triggered by trauma, resulting in permanent immobility of the joints. Hallux valgus, clinodactyly and short thumbs are the main associated congenital anomalies. Fibrodysplasia ossificans progressiva usually develops during early childhood. Clinical and radiological diagnosis is essential, since invasive procedures exacerbate the disease. Only palliative treatments are available and prevention plays an important role in patients with fibrodysplasia ossificans progressiva.

 

 

INTRODUÇÃO

A fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) é uma doença rara de caráter hereditário autossômico dominante(1,2), com envolvimento primário de tecido conectivo(3). Caracteriza-se por calcificações progressivas de fáscias, aponeuroses, ligamentos, tendões e tecido conectivo intersticial de músculo esquelético(4,5), gerando imobilidade articular permanente(1,6,7).

Também conhecida por miosite ossificante progressiva ou doença de Münchmeyer(3), foi primeiramente descrita por Guy Patin(8) em uma paciente à qual ele denominou "a mulher que virou madeira".

A doença é determinada por malformação congênita e progressiva do hálux (hálux valgo), microdactilia e clinodactilia(1), edema doloroso do pescoço e tórax superior(3) e osteogênese em musculatura esquelética, induzida ou não por trauma(1,2).

O edema de partes moles começa in utero ou precocemente na vida extra-uterina(3). Geralmente o envolvimento esquelético está presente ao nascimento(9) e a doença se desenvolve na infância(2).

 

RELATO DO CASO

Paciente de 12 anos de idade, sexo feminino, branca, estudante da sexta série do ensino fundamental, natural e procedente de Pelotas, RS. Assintomática até o sexto mês de vida, quando se iniciaram sintomas de diminuição da mobilidade articular dos cotovelos. Caminhou aos 15 meses, com mobilidade reduzida da coluna. Refere que aos três anos apresentou trauma contuso em cintura pélvica.

Há seis meses realizou procedimento odontológico sob anestesia local, que resultou em limitação do movimento da articulação temporomandibular (ATM) e surgimento de nódulo pétreo no local da intervenção anestésica. Apresenta hálux valgo congênito bilateral com monofalange, escoliose e coluna cervical com mobilidade reduzida. Em região dorsal, possui alguns nódulos endurecidos, não dolorosos e sem trauma local prévio.

Ombros, cotovelo direito e tornozelo direito com restrição de movimento. Demais articulações sem alterações ao exame físico. Nega dores ósseas ou articulares. Apresenta limitação da deambulação.

 

DISCUSSÃO

Não se conhece exatamente a etiologia da doença(2,6). A herança é provavelmente autossômica dominante, mas a maioria dos casos parece ser esporádica, já que poucos pacientes sobrevivem tempo bastante para se reproduzirem(3,6). A Associação Internacional da Fibroplasia Ossificante Progressiva, em 2001, apresentava menos de 200 pessoas acometidas pela doença(6). A prevalência é de 0,6 para 1.000.000, e mais freqüente no sexo masculino (4:1)(8).

Mutações no cromossomo 4q 2-31 parecem alterar a expressividade da proteína óssea morfogênica 4 (BMP 4), que é encontrada em concentrações elevadas no sangue desses pacientes(2,4,6).

Traumas e lesões (traumas cirúrgicos, injeções intramusculares, lesões musculares) em tecidos moles desencadeiam a formação de nódulos inflamatórios, dolorosos ou não, que ao longo de algumas semanas se ossificam(6).

As manifestações geralmente aparecem na infância(7), com início dos sintomas desde poucos meses de vida, sendo sete anos a média de idade da restrição de movimentos e de escoliose grave(6).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edema de partes moles, formação de osso ectópico, malformação do hálux com hálux valgo, braquidactilia, microdactilia e monofalange(6), implantação baixa do polegar e clinodactilia são alguns dos estigmas da doença(1), assim como escoliose e hipoacusia(10).

Aproximadamente aos 30 anos, já se observa pacientes restritos ao leito. Geralmente, a morte ocorre por insuficiência respiratória e cor pulmonale devido à restrição torácica(6,8,11). Diafragma, músculos extra-oculares, cardíaco e liso não são comprometidos pela doença(8).

O diagnóstico deve ser feito no período neonatal, para que sejam evitados procedimentos que desencadeiam ossificação(6,8,12) . Anamnese, exame físico e radiológico devem ser subsídios suficientes para o diagnóstico(12), evitando-se procedimentos invasivos como biópsias e tratamentos cirúrgicos(6,8).

O diagnóstico radiológico fundamenta-se nos seguintes achados: edema de partes moles, ossificação ectópica, malformação do hálux em hálux valgo, braquidactilia, microdactilia e monofalange, subluxação do trapézio e primeiro metacarpo, clinodacilia e escoliose com malformações da coluna vertebral(13,14).

O tratamento é paliativo e o ácido ascórbico associado a bifosfonado pode ser uma opção no controle e diminuição das calcificações ectópicas a longo prazo(1).

 

REFERÊNCIAS

1. Palhares DB, Leme LM. Miosite ossificante progressiva: uma perspectiva no controle da doença. J Pediatr 2001;77:431?434.         [  ]

2. Shafritz AB, Shore EM, Gannon FH, et al. Overexpression of an osteogenic morphogen in fibrodysplasia ossificans progressiva. N Engl J Med 1996;335:555?561.         [  ]

3. Jacobs P, Renton P. Congenital skeletal dysplasias: chromosomal disorders. In: Sutton D, editor. Textbook of radiology and imaging. 4th ed. New York, NY: Churchill Livingstone, 1987;47.         [  ]

4. Mahboubi S, Glaser DL, Shore EM, Kaplan FS. Fibrodysplasia ossificans progressiva. Pediatr Radiol 2001;31:307?314.         [  ]

5. Katti E, Seringe R, Gordji A, Turpin JC. Fibrodysplasia ossificans progressiva. Apropos of a case. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot 1995;81:81?85.         [  ]

6. Sferco A, Naser C, Robledo H, Fili T, Tramunt B. Fibrodysplasia osificante progresiva: pautas para su reconocimiento. Arch Argent Pediatr 2001;99:249?252.         [  ]

7. Fonseca JE, Branco JC, Reis J, et al. Fibrodysplasia ossificans progressiva: report of two cases. Clin Exp Rheumatol 2000;18:749?752.         [  ]

8. Ramírez AR, Cock PR. Fibrodisplasia osificante progressiva: reporte de un caso. Rev Colomb Ortop Traumatol 2002;16:27?30.         [  ]

9. Levy C, Berner TF, Sandhu PS, McCarty B, Denniston NL. Mobility challenges and solutions for fibrodysplasia ossificans progressiva. Arch Phys Med Rehabil 1999;80:1349?1353.         [  ]

10. Martínez PN, San Juan CO. Fibrodisplasia osificante progresiva: informe de un caso y revisión de la literatura. Bol Med Hosp Infant Mex 1994;51:555?560.         [  ]

11. Kussmaul WG, Esmail AN, Sagar Y, Ross J, Gregory S, Kaplan FS. Pulmonary and cardiac function in advanced fibrodysplasia ossificans progressiva. Clin Orthop Relat Res 1998;(346):104?109.         [  ]

12. Silva T, Edward R, Adachi EA, Tafner MS, Yoshinaga L. Fibrodysplasia ossificans progressiva. Arq Neuropsiquiatr 1994;1:100?102.         [  ]

13. Nelson SW. Some important diagnostic and technical fundamentals in the radiology of trauma, with particular emphasis on skeletal trauma. Radiol Clin North Am 1966;4:241?259.         [  ]

14. Norman A. Escoliose e anomalias com acometimento geral do esqueleto. In: Greenspan A, editor. Radiologia ortopédica. 2ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 1996.        [  ]

 

 

Recebido para publicação em 30/7/2004. Aceito, após revisão, em 30/1/2005.

 

 

Endereço para correspondência: Lucas Mendes. Rua Gonçalves Chaves, 250, ap. 501, Centro. Pelotas, RS, 96015-560. E-mail: mendeslucas@gmail.com
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital-Escola da Fundação de Apoio ao Universitário (HE/FAU) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS.


 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554