Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 36 nº 3 - Maio / Jun.  of 2003

ARTIGOS
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Page(s) 163 to 167



Estudo dosimétrico de radiografias de tórax com o emprego de técnicas de alta quilovoltagem

Autho(rs): Martha Tidori Kiota Kotsubo, Edson Marchiori, Ana Cecília Pedrosa de Azevedo

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Texto em Português English Text

Descritores: Radiografias de tórax, Dosimetria, Qualidade de imagem

Keywords: Chest radiographs, Dosimetry, Image quality

Resumo:
Neste trabalho foi realizado estudo comparativo em radiografias de tórax empregando técnicas de alta e baixa quilovoltagens, tendo como objetivo uma melhoria da qualidade técnica das radiografias, associada a uma redução nas doses fornecidas aos pacientes. O estudo foi realizado em 48 pacientes randomizados, com realização de 70 radiografias de tórax em incidência póstero-anterior, utilizando técnicas de alta quilovoltagem (120 kVp) e carga transmitida de 2,3 mAs, e técnicas de baixa quilovoltagem (70 kVp) e carga transmitida de 5 a 10 mAs. Os valores de doses de entrada na pele foram medidos com um Diamentor. A técnica de baixa quilovoltagem apresentou um aumento de 326% na dose fornecida ao paciente, quando comparada com a técnica de alta quilovoltagem. Com o uso das técnicas de alta quilovoltagem foi constatada, ainda, uma diminuição do número de radiografias de má qualidade que necessitavam repetição, poupando os equipamentos e reduzindo custos por conta da melhoria da qualidade da imagem radiográfica.

Abstract:
We compared chest radiographs using high and low kilovoltage techniques with the aim of obtaining best quality techniques as well as a reduction in patient doses. The study was performed in 48 patients randomized that were submitted to 70 postero-anterior chest radiographs using high (120 kVp, 2.3 mAs) and low (70 kVp, 5-10 mAs) kilovoltage techniques. The entrance skin dose values were measured with a Diamentor. The low kilovoltage technique showed a 326% increase of the dose when compared with the high kilovoltage technique. The use of the high kilovoltage technique decreased the number of low quality radiographs that required repetition, thus sparing the equipment and reducing the costs due to best quality radiographic images.

 

 

INTRODUÇÃO

A técnica básica das radiografias de tórax tem sido constantemente estudada e uma das grandes melhorias alcançadas foi a introdução de novos sistemas tela-filmes, principalmente a tela intensificadora com filmes de dupla emulsão, os filmes assimétricos de alto desempenho(1).

O exame radiológico padrão de tórax varia em diferentes serviços, mas deve consistir, no mínimo, de duas incidências básicas, uma projeção póstero-anterior e outra lateral(2). As radiografias de tórax são geralmente obtidas a uma distância de 180 cm entre o filme e o tubo, para minimizar a distorção e a ampliação, sendo feitas em inspiração profunda(3).

O objetivo da radiografia de tórax é servir de registro para a investigação de possíveis alterações da saúde de pacientes sintomáticos ou assintomáticos. Deve ser produzida uma imagem de boa definição e com a menor dose possível para o paciente, compatível com um diagnóstico adequado. A qualidade da imagem e a dose de radiação em um exame radiográfico estão intimamente relacionadas com as características técnicas e as condições operacionais do aparelho de raios X, da revelação dos filmes, da combinação tela-filme, da técnica radiográfica, do operador e das condições físicas do paciente, como presença de drenos, acamado, debilitado, etc.

O aspecto que quase sempre limita a detecção de alguma anormalidade discreta é o contraste insuficiente da imagem. Já a falta de definição da imagem é, em geral, o fator limitante na detecção de detalhes lineares e circulares de pequenas dimensões(4).

A técnica adequada para a radiografia de tórax é a de alta quilovoltagem. O Colégio Americano de Radiologia(5) propõe técnica de 120 a 150 kVp, e a Comissão das Comunidades Européias(6), a técnica de 100 a 150 kVp. A qualidade do feixe, a partir da energia efetiva, deve permitir uma boa penetração da energia no tórax para uma adequada análise de estruturas retrocardíacas e mediastinais, com um tempo de exposição curto (mAs), com melhor desempenho na inspiração profunda, nos movimentos respiratórios e redução da dose de radiação no paciente(7,8).

Os progressos na radiologia estão relacionados ao desenvolvimento de novos sistemas de formação de imagens radiográficas que possibilitam um aumento na qualidade, com baixa dose no paciente(9,10).

No Brasil, a Portaria 453/98(11) da Secretaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde estabelece níveis de referência de radiodiagnóstico para alguns dosprocedimentos radiológicos em termos de dose de entrada na pele (DEP), e exige que todo serviço de radiodiagnóstico implante, em caráter permanente, um Programa de Garantia de Qualidade(12). Os níveis de referência de radiodiagnóstico por radiografia para paciente adulto típico (60?80 kg; 1,70?1,75 m), de alguns países e no Brasil(13?15), para radiografia de tórax em póstero-anterior é da ordem de 0,15 a 0,40 mGy de DEP.

O objetivo principal da proteção radiológica é fornecer um apropriado grau de proteção para o homem, sem limitar indevidamente as práticas benéficas que envolvem exposição à radiação.

Os filmes radiográficos são importantes para a documentação dos exames realizados. A qualidade do exame depende do sistema tela-filme, para que apresente nitidez de detalhes e visibilidade das estruturas anatômicas de interesse. Todo o sistema que envolve a realização de exames radiográficos em um serviço radiológico deve ser sempre revisado e submetido a um controle de qualidade, que inclua desde o pessoal técnico, até os equipamentos radiológicos, estendendo-se aos métodos administrativos, educacionais e de manutenção preventiva(16?19).

O controle de qualidade pode ser definido como parte de um esforço organizado com o objetivo de assegurar que as imagens diagnósticas produzidas tenham qualidade elevada o suficiente para fornecer informações adequadas, com o mínimo custo e a mínima exposição dos pacientes e operadores. Baixa dose de radiação é compatível com alta qualidade de imagem radiográfica(20?22).

A eficácia e o sucesso do exame radiográfico dependem da produção de uma imagem de boa qualidade e, também, das condições de visualização dos negatoscópios(23,24). Radiografias sem qualidade podem ocasionar diagnósticos falsos, além de acarretar a necessidade de repetição do exame, aumentando a dose no paciente e os custos associados. A câmara escura deve ser mantida com todos os cuidados adequados para um bom funcionamento, principalmente na manutenção da processadora, que deve ser controlada pelo método sensitométrico, além da armazenagem correta dos filmes radiográficos(23,25).

Os filmes radiográficos passaram por mudanças, evoluindo para uma melhor qualidade e tornando-se mais sensíveis e mais velozes, utilizando alta quilovoltagem (120 a 130 kVp), em combinação com grades de alta qualidade (12:1), como os filmes Ortho C e assimétricos (Eastman Kodak, Rochester, NY) ou Super HR-C e HR-4/HR-S (Fuji Photo Film, Stamford, CT), Du Pont Ultra-Vision (Sterling Diagnostic Imaging), Agfa (Ridgefield Park, NJ), dentre outros(26?28).

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

O estudo foi realizado na Clínica Radiológica Ecoimagem, São Bernardo do Campo, SP, no período de 1 de novembro de 2000 a 31 de janeiro de 2001, sendo selecionados pacientes submetidos a radiografias de tórax por motivos diversos. Este trabalho foi realizado com um grupo de 48 pacientes. Em todos os casos foi assinado um termo de consentimento livre e esclarecido, em que o paciente concordava ou não com sua inclusão no estudo. Os pacientes foram submetidos a radiografias de tórax na projeção póstero-anterior. Destes 48 pacientes, 20 foram submetidos a duas radiografias cada, um paciente foi submetido a três radiografias, e 27 pacientes, a uma radiografia cada, totalizando 70 radiografias. Para cada radiografia as doses eram registradas com o Diamentor. Foram utilizados dois tipos de filmes radiográficos (simétrico e assimétrico). Antes da realização das radiografias foi registrado o diâmetro ântero-posterior do tórax de cada paciente, utilizando um espessômetro.

As técnicas de alta quilovoltagem (109 ?120 kVp e 1,5?3,8 mAs) foram empregadas em 62 pacientes, e as de baixa quilovoltagem (70 kVp e 5?10 mAs), em oito pacientes. A distância foco?filme utilizada em ambas as técnicas foi de 180 cm, e a filtração, de 2,7 mmAl.

O equipamento utilizado foi um aparelho de radiologia convencional da marca General Electric, modelo Silhouette HF (150 kVp e 600 mA) e uma processadora automática de filmes da marca Agfa, modelo Mammoray HT 300. Neste trabalho foram utilizados filmes e telas intensificadoras fabricados pela Agfa e Kodak, respectivamente.

Para melhor otimização na formação da imagem é recomendado o uso de soluções para revelação e fixação dos filmes e também de sistemas tela-filmes de uma mesma marca. No nosso estudo foram utilizadas soluções para revelação e fixação para "auto-mixer" do fabricante Kodak.

Antes do início do trabalho foram analisadas as condições de funcionamento do aparelho de raios X e da processadora automática. A avaliação foi realizada por físicos alunos da pós-graduação do Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os equipamentos utilizados foram: medidor de tempo de exposição (Unfors/8003), medidor de kVp (Unfors/9001), medidor de dose (Unfors/6003), câmara de ionização (Rad Check Victoreen 06-526-5280), objeto de teste para alinhamento de grade (Victoreen 07-644), Diamentor PTW/M4, que mede o produto dose-área e calcula o valor de dose efetiva e dose nos diversos órgãos do corpo, a partir da incidência e tipo de exame efetuado, objeto de testes para coincidência de campos (Victoreen 07-661), objeto de testes para resolução tela-filme (Victoreen 07-527) e objeto de testes para contato tela-filme (Victoreen 07-608).

O aparelho Diamentor consiste de uma câmara de ionização que é posicionada diretamente na saída do feixe de radiação. Com o programa Diasoft as doses eram registradas e as informações repassadas simultaneamente para o computador, para posterior análise e impressão dos registros.

 

RESULTADOS

Nos 48 pacientes estudados a idade variou entre 18 e 81 anos (média de 38,2 anos), estando a maior freqüência entre 30 e 49 anos (56,25%). A espessura torácica variou de 19 a 33 cm (média de 25,38 cm). Houve predomínio de pacientes com espessura entre 22 e 27 cm (68,75%).

A Figura 1 representa a DEP nos pacientes, medida em cada uma das 70 radiografias obtidas. As doses variaram de 0,01 a 1,32 mGy, com uma maior incidência entre 0,11 e 0,30 mGy.

 

 

Na Figura 2 estão representadas as DEP em pacientes submetidos a radiografias de tórax com carga transmitida menor que 4,5 mAs. O número correspondeu a 62 casos, com desvio-padrão de 0,07 e média de dose de 0,23 mGy ± 0,07.

 

Na Figura 3 estão representadas as DEP em pacientes com carga transmitida maior que 4,5 mAs. O número de casos foi de oito e a média da dose foi de 0,98 mGy ± 0,20.

 

 

A Figura 4 representa a relação entre kVp, mAs e DEP, observada nos 48 pacientes. Constatou-se que, quanto maior a kVp, a mAs tende a ser menor, e conseqüentemente diminui a dose de radiação. Se a kVp e a mAs forem altas, a dose aumentará mais ainda.

 

 

A Tabela 1 representa a média da DEP, comparando os dois filmes utilizados, simétrico e assimétrico. Para o filme simétrico foi obtida a média de dose de 0,29 ± 0,22 mGy e para o filme assimétrico o valor foi de 0,32 ± 0,27 mGy. A diferença das médias entre os dois filmes foi de 16%, chegando-se à conclusão de que a dose no filme assimétrico é discretamente maior em relação ao simétrico(29).

 

 

DISCUSSÃO

A radiografia de tórax é o primeiro método de exame para avaliação das doenças torácicas e também na investigação da área mediastinal.

Neste estudo foi feita uma avaliação comparativa entre técnicas de altas e baixas quilovoltagem relacionadas com a DEP de pacientes. Foram utilizadas técnicas semelhantes para as radiografias de tórax, em ambos os filmes, simétricos e assimétricos, com alta kVp e baixa mAs (em torno de 120 kVp e 2,3 mAs). Há divergências de opinião quanto às vantagens deste método, não sendo utilizado normalmente na maioria dos serviços radiológicos. Com a kVp alta, a imagem dos pulmões fica melhor, havendo maior penetração, e usou-se uma carga transmitida em torno de 2,3 mAs. A incidência da dose fornecida aos pacientes variou de 0,11 a 0,30 mGy.

A média da DEP em pacientes submetidos a uma carga transmitida menor que 4,5 mAs foi de 0,23 mGy ± 0,07, e a média da DEP em pacientes submetidos a uma carga transmitida maior que 4,5 mAs foi de 0,98 mGy ± 0,20. Houve um aumento de 4,26 vezes na dose com mAs maior que 4,5 em relação a mAs menor que 4,5.

A técnica de alta quilovoltagem vem sendo preconizada há mais de 30 anos para as radiografias de tórax, mas não é usualmente empregada em nosso meio, devido a vários fatores técnicos, como aparelhos para radiologia convencional antigos, com uma capacidade menor de quilovoltagem, profissionais técnicos mal informados ou não atualizados, e desinteresse da parte médica. A alta energia diminui o contraste entre osso e tecidos moles, fazendo o osso ser menos visível e tornando as estruturas pulmonares mais evidentes.

Vários estudos na literatura(31?33) , comparando técnicas diferentes para realização de radiografias de tórax, chegaram à conclusão de que uma alta kVp, entre 110 e 140, diminui o tempo de exposição, melhora a qualidade da imagem e reduz a dose em mais de 50%, como foi encontrado também em nosso trabalho.

Warren-Forward e Millar(10) analisaram DEP de pacientes e fizeram quatro recomendações para reduzir a dose: aumentar a quilovoltagem para no mínimo 90 kVp, utilizar sistema tela-filme com velocidade de 400, otimizar a técnica de processamento de filmes e reduzir o índice de rejeições para o nível de 5%.

Pina et al.(34) desenvolveram um trabalho no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP), comparando técnicas por eles preconizadas com as de rotina do Serviço de Radiodiagnóstico, chegando à conclusão de que as técnicas utilizadas de rotina no serviço do HCRP apresentaram um aumento de 167% na dose e de 825% na carga do tubo. As técnicas radiológicas para tórax preconizadas pelos autores eram de 116 kVp, 0,8 mAs, com dose de 0,15 mGy, e as de rotina do HCRP eram de 69 kVp, 13 mAs, com dose de 0,40 mGy.

Os altos valores de DEP obtidos nos procedimentos com técnicas de baixa kVp e alta carga transmitida (mAs) ? média de 0,98 mGy ? sugerem a necessidade da implantação de metodologia padronizada para definir níveis de referência de diagnóstico e sua otimização através da análise das causas que originam estes resultados. Programas de garantia de qualidade deveriam permitir obter valores menores de doses. Deve-se incentivar a aplicação de critérios de qualidade das imagens radiográficas e o treinamento dos técnicos e dos médicos radiologistas, como um melhor desempenho de equipamentos de raios X, processadoras de filmes, protocolos clínicos, treinamento dos operadores, combinação adequada tela-filme e técnicas radiográficas.

A exposição do paciente deve ser reduzida tanto quanto compatível com o sucesso da investigação diagnóstica ou procedimento terapêutico. Deve-se produzir um diagnóstico adequado com doses tão baixas quanto razoavelmente exeqüíveis, mas também tão altas quanto necessário.

No nosso estudo é importante salientar que, utilizando técnicas de alta quilovoltagem e baixa carga transmitida (acima de 100 kVp e mAs de até 4,5) em filmes simétricos convencionais, a qualidade de imagem radiográfica em relação aos critérios anatômicos se assemelha à obtida com filmes assimétricos.

 

CONCLUSÕES

As técnicas radiográficas utilizadas neste trabalho, que consistiram de alta kVp e baixa carga transmitida ? em torno de 120 kVp e 2,3 mAs ?, além de fornecer imagens radiográficas de qualidade, proporcionaram também uma redução importante da dose de radiação, de 4,26 vezes em relação à técnica de baixa kVp e alta carga transmitida ? em torno de 70 kVp e de 5 a 10 mAs. Houve ainda uma diminuição de custos do Serviço de Radiodiagnóstico, em virtude da redução na carga do tubo de raios X e diminuição de filmes radiográficos rejeitados por conta da melhoria da qualidade da imagem. Baixas doses de radiação são compatíveis com alta qualidade de imagem.

 

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Endereço para correspondência
Dra. Martha Tidori Kiota Kotsubo
Rua Atlântica, 121
São Bernardo do Campo, SP, 09750-480
E-mail: marthakotsubo@uol.com.br

Recebido para publicação em 22/11/2002.
Aceito, após revisão, em 12/1/2003

 

 

* Trabalho realizado na Clínica Ecoimagem, São Bernardo do Campo, SP, e no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ.


 
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