Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 43 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2010

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 266 to 271



Ressonância magnética na avaliação das reações periosteais

Autho(rs): Marcello Henrique Nogueira-Barbosa1; José Luiz de Sá2; Clóvis Simão Trad3; Rodrigo Cecílio Vieira de Oliveira4; Jorge Elias Júnior1; Edgard Eduard Enge4; Marcelo Novelino Simão6; Valdair Francisco Muglia1

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Texto em Português English Text

Descritores: Periostite; Tumores ósseos; Imagem por ressonância magnética.

Keywords: Periostitis; Bone neoplasm; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
O objetivo deste ensaio iconográfico é estimular a avaliação cuidadosa das reações periosteais nas imagens de ressonância magnética. A abordagem inicial das lesões ósseas é realizada por meio das radiografias simples e pela avaliação destas se faz a classificação das reações periosteais em subtipos clássicos. Embora a ressonância magnética seja considerada o padrão ouro para o estadiamento regional das neoplasias ósseas, seu uso no estudo das reações periosteais relacionadas às lesões ósseas focais tem sido relativamente pouco enfatizado. A revisão da literatura evidencia um modelo experimental animal de osteomielite que sugere que a ressonância magnética seja superior às outras técnicas de imagem na identificação precoce das reações periosteais. Outro estudo encontrado na literatura sugere boa correlação entre as radiografias simples e as imagens de ressonância magnética na identificação e na classificação das reações periosteais no osteossarcoma. Neste ensaio foram ilustrados casos de reações periosteais observadas pela ressonância magnética, correlacionado-as com as radiografias convencionais ou com outros métodos de diagnóstico por imagem.

Abstract:
The objective of the present essay was to encourage a careful evaluation of periosteal reactions on magnetic resonance images. The initial approach to bone lesions is made by conventional radiography and, based on the imaging findings, periosteal reactions are classified into classical subtypes. Although magnetic resonance imaging is considered as the gold standard for local staging of bone tumors, the utilization of such method in the study of periosteal reactions related to focal bone lesions has been poorly emphasized, with relatively few studies approaching this subject. The literature review revealed a study describing an experimental animal model of osteomyelitis suggesting that magnetic resonance imaging is superior to other imaging methods in the early identification of periosteal reactions. Another study has suggested a good correlation between conventional radiography and magnetic resonance imaging in the identification and classification of periosteal reactions in cases of osteosarcoma. The present essay illustrates cases of periosteal reactions observed at magnetic resonance imaging in correlation with findings of conventional radiography or other imaging methods.

INTRODUÇÃO

A abordagem inicial das lesões ósseas baseia-se na avaliação de radiografias convencionais. Na semiologia radiológica clássica das lesões ósseas focais estão incluídas a identificação e a caracterização das reações periosteais. É usual classificar as reações periosteais em alguns subtipos clássicos e a identificação desses subtipos pode ocasionalmente auxiliar e sugerir uma doença ou neoplasia especificas(1,2). Em geral, processos com atividade intensa ou de rápida evolução resultam em formas de reação periosteal mais agressivas e processos indolentes resultam nas formas não agressivas(1,2). Reações periosteais interrompidas indicam processos biologicamente agressivos. Há, no entanto, uma sobreposição considerável dos achados de imagem e a simples classificação da reação periosteal não define a natureza ou a agressividade da lesão(3).

Embora a ressonância magnética (RM) seja considerada a melhor técnica para o estadiamento local das lesões musculoesqueléticas(4-6), pode ser que a capacidade de avaliação das alterações periosteais pela RM venha sendo subestimada. Por exemplo, uma revisão sobre reações periosteais publicada recentemente e destinada a educação de médicos residentes em diagnóstico por imagem não discute especificamente o estudo das reações periosteais pela RM(1).

O objetivo deste ensaio é estimular a avaliação cuidadosa das reações periosteais nas imagens de RM. Foram ilustrados casos de reações periosteais observadas pela RM, correlacionado-as com as radiografias convencionais ou com outros métodos de diagnóstico por imagem.


REAÇÃO PERIOSTEAL

A Figura 1 ilustra o periósteo normal quando este é identificado em imagens de RM. Frequentemente, o periósteo normal não é nem sequer individualizado pelas imagens de RM. Quando ocorre um insulto que induz a reação periosteal, há proliferação vascular e espessamento do periósteo normal em resposta ao fator desencadeante. As causas de reação periosteal podem ser muito variadas e uma lista geral deve incluir tumores, infecção, trauma, drogas, estase venosa, doenças osteometabólicas, congênitas e artrites.


Figura 1. Imagens de RM da coxa de aspecto normal. A: Imagem axial adquirida na ponderação T1 evidencia fina lâmina
concêntrica de sinal intermediário na topografia do periósteo (seta). B: Imagem coronal na ponderação T1, em que a
seta também indica a topografia do periósteo normal.



A morfologia da reação periosteal reflete a intensidade, a duração e a agressividade do agente desencadeante(1,2). Para que a reação periosteal se torne visível nas radiografias convencionais, faz-se necessário certo grau de mineralização, o que leva cerca de 10 a 21 dias(2).


TIPOS DE REAÇÃO PERIOSTEAL

Sólida

A reação periosteal sólida representa uma neoformação óssea contínua e acoplada à superfície externa do córtex e tipicamente ocorre em resposta a processos indolentes e benignos(1,2). Pode ser fina (Figuras 2 e 3), mas esporadicamente processos crônicos podem originar reações sólidas mais espessas (Figura 4).


Figura 2. A: Reação periosteal lamelar no aspecto medial da diáfise da tíbia em caso de fratura por estresse (setas). B: Reação periosteal lamelar na imagem axial de RM ponderada em T2 (seta). Também pode ser observado aumento do sinal de líquido nos tecidos moles adjacentes.


Figura 3. Reação periosteal lamelar relacionada a fratura patológica sutil da cortical óssea da fíbula em um fibroma não ossificante. A: Radiografia simples mostra lesão osteolítica de contornos geográficos e discretamente insuflativa. B: Imagem axial ponderada em T1 evidencia redução do sinal da medula óssea da fíbula e fratura da cortical óssea posteriormente. C: Imagem axial ponderada em T2 com saturação da gordura evidencia aumento do sinal de líquido intraósseo e nos tecidos moles adjacentes. A seta indica a periostite relacionada à fratura.


Figura 4. Reação periosteal sólida secundária a estase venosa crônica do membro inferior. A: Radiografia convencional mostra a reação periosteal na tíbia e na fíbula (setas pretas). B: Imagem de ressonância magnética ponderada em T2 com saturação da gordura também evidenciou a reação periosteal (seta branca). Imagem de corte axial de tomografia computadorizada (C) e imagem axial de RM ponderada em T1 com saturação da gordura (D), ambas confirmando o envolvimento circunferencial da reação periosteal.



Lamelar ou multilamelar

A reação periosteal multilamelar (Figura 5), também denominada "casca de cebola", origina-se pela deposição de camadas concêntricas e superpostas de neoformação óssea periosteal, separadas por dilatação vascular e por tecido conectivo frouxo(1-3). Quando associada a tumor maligno, os espaços entre as camadas podem tornar-se secundariamente infiltrados pelas células malignas. Pode estar associada a sarcoma de Ewing, osteossarcoma, osteomielite e cisto ósseo aneurismático, entre outros(3).


Figura 5. A: Reação periosteal multilamelar (seta branca), “em casca de cebola”, identificada pela radiografia simples na diáfise do úmero em uma criança com cerca de 1 ano e 8 meses com osteomielite crônica confirmada cirurgicamente. Um sequestro ósseo é indicado pela seta branca descontínua. B: Imagem de RM adquirida no plano sagital e ponderada em T2 confirma a reação periosteal multilamelar (seta branca). C: Imagem adquirida no plano axial e ponderada em T2 mostra múltiplas deposições lamelares concêntricas no periósteo (setas).



Espiculada perpendicular à cortical

A reação periosteal espiculada corresponde a finas espículas com orientação perpendicular à cortical óssea (Figura 6). Estas espículas não são neoplásicas e se originam da ossificação ao longo de canais vasculares periosteais e ao longo de bandas fibrosas (fibras de Sharpey) estiradas para longe da cortical(1-3). O tecido areolar frouxo entre as espículas pode ser posteriormente substituído por tumor ou por outros tecidos.


Figura 6. A,C: Osteossarcoma da tíbia apresentando reação periosteal espiculada com orientação perpendicular à superfície da cortical óssea (seta preta) identificada em imagens de radiografias simples em ântero-posterior e perfil, respectivamente. B,D: Espículas de baixo sinal orientadas perpendicularmente ao eixo da tíbia são demonstradas nas imagens de RM. Neste caso a reação periosteal é mais evidente na RM do que nas radiografias simples. B: Imagem adquirida no plano coronal e ponderada em T1 com saturação de gordura após gadolínio. D: Imagem adquirida no plano sagital e na ponderação T2 com saturação da gordura.



Raios de sol

Na reação periosteal espiculada divergente ou em "raios de sol" as espículas apontam para um epicentro no osso (Figuras 7 e 8). A reação periosteal em raios de sol em geral é percebida como um sinal de malignidade e frequentemente associada ao osteossarcoma(1,3), embora possa aparecer em lesões benignas como osteoblastoma e hemangioma(3).


Figura 7. Reação periosteal espiculada e “em raios de sol” em um sarcoma de Ewing da escápula. A: Radiografia simples com setas indicando a reação periosteal com algumas espículas divergentes. B: Imagem de ultrassonografia com Doppler confirma as espículas (seta) e aumento da vascularização do periósteo. C: Imagem de tomografia computadorizada no plano axial. A seta indica uma das espículas da reação periosteal. D: O mesmo aspecto pode ser identificado na imagem axial da RM ponderada em T1 e obtida após injeção do contraste intravenoso. A seta indica uma das espículas periosteais.


Figura 8. Reação periosteal espiculada e divergente indicada pelas setas em um caso comprovado de osteossarcoma do osso ilíaco. A: Radiografia simples. B: Tomografia computadorizada em corte axial. C,D: RM com imagens T1 pós-contraste nos planos axial e coronal, respectivamente.



Triângulo de Codman

O triângulo de Codman é a versão interrompida da reação lamelar e da multilamelar (Figuras 9 e 10). A região do triângulo de Codman em geral é livre de tumor, mas pode ser secundariamente infiltrada(7). Este tipo de reação periosteal foi descrito inicialmente no osteossarcoma, mas pode ser observado em outros tumores ósseos primários malignos ou nas metástases ósseas, na osteomielite, no trauma, em tumores benignos, porém ativos, como o cisto ósseo aneurismático(1,3).


Figura 9. Osteossarcoma periosteal na tíbia. A: Na radiografia é possível identifica reação periosteal interrompida (seta contínua) e espiculada (seta descontínua). B: Imagem de RM no plano coronal ponderada em T1 e após contraste intravenoso evidencia reação periosteal espiculada (seta descontínua). Nesta imagem é possível identificar, na região cranial da reação periosteal, uma área que lembra o padrão do triângulo de Codman tradicionalmente descrito em radiografias. C: Imagem axial T1 após contraste da mesma lesão, com seta indicando reação periosteal espiculada.


Figura 10. A,B: Radiografias simples ortogonais do fêmur em outro caso de osteossarcoma. Além da reação periosteal espiculada, este caso mostra um triângulo de Codman (seta). C,D: Imagens coronais de RM na ponderação T2 confirmam a reação periosteal interrompida, semelhante ao triângulo de Codman da radiografia.



DISCUSSÃO

A prevalência dos diferentes subtipos de reação periosteal em cada tipo de tumor ósseo é relativamente pouco documentada na literatura(3). A descrição dos subtipos de reação periosteal atrás explanados, no entanto, é uma prática usual nos relatórios de radiologia convencional. Há poucas descrições na literatura sobre a RM no estudo das reações periosteais(8-10). Um estudo experimental avaliou qual método foi mais eficiente para identificar a periostite após indução de infecção óssea na perna de coelhos, comparando a radiologia convencional, a tomografia computadorizada com contraste e a RM, tendo a histologia como padrão ouro(8). Nesse estudo a RM foi o melhor método na identificação da elevação periosteal, sendo capaz de identificar a periostite mesmo na ausência de ossificação. Houve dois casos de falso-positivos pela RM.

Um outro estudo realizou a comparação às cegas entre a radiologia convencional e a RM quanto à presença e à classificação das reações periosteais no osteossarcoma e foi encontrada uma boa correlação entre os dois métodos(10).


CONCLUSÃO

Os padrões semiológicos das reações periosteais para radiografias convencionais podem ser extrapolados para as imagens de RM. Devido à importância dos achados, deve-se estimular a identificação e a caracterização da reação periosteal pela RM.

Agradecimento

À Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (FAEPA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, pelo apoio financeiro 481/2009.


REFERÊNCIAS

1. Rana RS, Wu JS, Eisenberg RL. Periosteal reaction. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:W259-72.

2. Resnick D. Tumors and tumor-like lesions of bone: radiographic principles. In: Resnick D, editor. Diagnosis of bone and joint disorder. 3rd ed. Philadelphia, PA: WB Saunders; 1995. p. 3613-27.

3. Wenaden AET, Szyszko TA, Saifuddin A. Imaging of periosteal reactions associated with focal lesions of bone. Clin Radiol. 2005;60:439-56.

4. van Trommel MF, Kroon HM, Bloem JL, et al. MR imaging based strategies in limb salvage surgery for osteosarcoma of the distal femur. Skeletal Radiol. 1997;26:636-41.

5. Onikul E, Fletcher BD, Parham DM, et al. Accuracy of MR imaging for estimating intraosseous extent of osteosarcoma. AJR Am J Roentgenol. 1996;167:1211-5.

6. Frouge C, Vanel D, Coffre C, et al. The role of magnetic resonance imaging in the evaluation of Ewing sarcoma. A report of 27 cases. Skeletal Radiol. 1988;17:387-92.

7. Codman EA. Registry of bone sarcoma; part I, twenty-five criteria for establishing diagnosis of osteogenic sarcoma; part II, 13 registered cases of 5 year cures analyzed according to these criteria. Surg Gynecol Obstet. 1926;42:381-93.

8. Spaeth HJ, Chandnani VP, Beltran J, et al. Magnetic resonance imaging detection of early experimental periostitis. Comparison of magnetic resonance imaging, computed tomography, and plain radiography with histopathologic correlation. Invest Radiol. 1991;26:304-8.

9. Greenfield GB, Warren DL, Clark RA. MR imaging of periosteal and cortical changes of bone. Radiographics. 1991;11:611-23.

10. Dosdá R, Martí-Bonmatí L, Menor F, et al. Comparison of plain radiographs and magnetic resonance images in the evaluation of periosteal reaction and osteoid matrix in osteosarcomas. MAGMA. 1999;9:72-80.








1. Doutores, Professores do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica (CCIFM) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
2. Médico Residente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
3. Doutor, Professor Colaborador do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica (CCIFM) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
4. Médico Radiologista da Clínica de Diagnóstico por Imagem Tomoson, Araçatuba, SP, Brasil
5. Doutor, Professor do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
6. Mestre, Médico Assistente do Serviço de Radiodiagnóstico do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica (CCIFM) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Trabalho realizado no Serviço de Radiodiagnóstico do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica (CCIFM) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Marcello Henrique Nogueira-Barbosa
Avenida Bandeirantes, 3900, Campus Universitário
14048-900. Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: marcello@ fmrp.usp.br

Recebido para publicação em 11/2/2010
Aceito, após revisão, em 26/3/2010
 
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