Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 45 nº 3 - Maio / Jun.  of 2012

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 160 to 166



Aspectos comuns e pseudolesões na colonografia por tomografia computadorizada: ensaio iconográfico

Autho(rs): Augusto Castelli von Atzingen1; Dario Ariel Tiferes2; Carlos Alberto Matsumoto3; Thiago Franchi Nunes4; Marcos Vinicius Alvim Soares Maia5; Giuseppe D'Ippolito6

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Texto em Português English Text

Descritores: Colonografia; Tomografia computadorizada; Câncer colorretal; Pólipos do colo.

Keywords: Colonography; Computed tomography; Colorectal neoplasm; Colonic polyps.

Resumo:
A colonografia por tomografia computadorizada é um método minimamente invasivo para rastreamento de pólipos e do câncer colorretal, com complicações extremamente incomuns, sendo cada vez mais utilizada na prática clínica. Na última década, a evolução no preparo intestinal, na aquisição das imagens e no treinamento dos examinadores determinou um aumento significativo na sensibilidade do método. A interpretação das imagens é realizada por meio da análise combinada das imagens fontes bidimensionais e de diversos tipos de reconstruções tridimensionais, com sensibilidade ao redor de 96% na detecção de lesões com dimensões iguais ou maiores que 10 mm, quando analisadas por radiologistas experientes. Neste ensaio pictórico selecionamos exemplos ilustrativos das doenças e pseudolesões mais frequentemente observadas neste tipo de exame. Apresentamos exemplos de lesões polipoides e planas, benignas e malignas, moléstia diverticular dos cólons, entre outras afecções, bem como pseudolesões, entre as quais aquelas relacionadas a preparo inadequado e interpretação equivocada.

Abstract:
Computed tomography colonography is a minimally invasive method for screening for polyps and colorectal cancer, with extremely unusual complications, increasingly used in the clinical practice. In the last decade, developments in bowel preparation, imaging, and in the training of investigators have determined a significant increase in the method sensitivity. Images interpretation is accomplished through a combined analysis of two-dimensional source images and several types of three-dimensional renderings, with sensitivity around 96% in the detection of lesions with dimensions equal or greater than 10 mm in size, when analyzed by experienced radiologists. The present pictorial essay includes examples of diseases and pseudolesions most frequently observed in this type of imaging study. The authors present examples of flat and polypoid lesions, benign and malignant lesions, diverticular disease of the colon, among other conditions, as well as pseudolesions, including those related to inappropriate bowel preparation and misinterpretation.

INTRODUÇÃO

A colonografia por tomografia computadorizada (CTC), ou colonoscopia virtual, é um exame baseado na aquisição de múltiplos cortes obtidos por tomografia computadorizada de múltiplos detectores (TCMD), que gera imagens seccionais do cólon e que, posteriormente, podem ser reformatadas em múltiplos planos e também processadas para permitir a navegação endoluminal, semelhante à obtida na colonoscopia óptica (CO)(1). O exame tem, entre as suas principais vantagens, o fato de ser rápido, pois é realizado em menos de 15 minutos e não requerer sedação. Há mais de uma década a CTC tem sido utilizada para a investigação de pólipos cólicos e câncer colorretal (CCR). A evolução do conhecimento clínico e epidemiológico do CCR e os muitos avanços tecnológicos incorporados à CTC permitiram transformar o método de uma ferramenta de pesquisa para uma opção viável no rastreamento do CCR(2–4).

O método se apresenta como uma opção menos invasiva que a CO para o rastreamento de pólipos e pode ser empregado, preferencialmente, em indivíduos assintomáticos com baixo risco para desenvolver CCR, naqueles que não desejam ou não podem realizar a CO, e ainda em casos em que esta última for incompleta(3). Por outro lado, a CTC apresenta algumas limitações quando comparada com a CO no que se refere à impossibilidade de se realizar biópsias e à exposição à radiação ionizante(2). Apesar de a CTC ter sido introduzida há mais de uma década, são ainda escassos os estudos realizados no nosso meio e publicados na literatura nacional(5,6).

O objetivo do presente trabalho é mostrar os achados das lesões cólicas mais comuns e de pseudolesões encontradas nos exames de colonoscopia virtual e familiarizar o leitor com os principais aspectos técnicos do exame.

Preparo do paciente

O preparo intestinal na CTC é imprescindível para facilitar a detecção das lesões e minimizar os achados falso-positivos(7). Consiste na limpeza do intestino grosso mediante uma dieta pobre em resíduos por dois dias, e uso de laxantes osmóticos não irritantes (bisacodil e macrogol) e antiflatulentos (simeticona). O uso de contraste oral, iodado (ácido ioxitalâmico) ou baritado, também é indicado para marcar os resíduos fecais não eliminados e facilitar a diferenciação das pseudolesões(7). O contraste iodado é usado mais frequentemente e é administrado nas 12 horas que precedem o exame de CTC, pela ingestão de 50 ml diluídos em 200 ml de água(7).

Aspectos técnicos

A aquisição das imagens é realizada em decúbitos dorsal e ventral, durante apneia, após distensão colônica com ar ambiente de acordo com a tolerância do paciente(8). Os exames são preferencialmente realizados com tomógrafos equipados com 16 ou mais fileiras de detectores. Neste estudo utilizamos um aparelho de tomografia equipado com 64 fileiras de detectores (Brilliance 64; Philips Medical Systems, Cleveland, OH, EUA) e realizamos todos os exames com colimação 64 × 0,625 mm, espessura de 2 mm, intervalo de reconstrução de 1 mm, pitch de 1.079, tempo de rotação de 0,5 s, 120 kV e 60 mAs/corte. A dose de radiação equivalente por exame foi, em média, de 10 mSv, variando entre 6 e 19 mSv, em função das dimensões do paciente. Nenhuma medicação antiespasmódica foi utilizada neste estudo. O pós-processamento das imagens foi realizado utilizando-se o programa package with vol­ume-rendering capabilities (Philips Bril­liance Workspace; Philips Medical Sys­tems, Cleveland, OH, EUA), com reformatações multiplanares bidimensionais (2D) e navegação endoluminal com dissecção virtual do cólon tridimensionais (3D) (Figuras 1, 2 e 3).


Figura 1. Cólon normal. CTC 2D no plano axial.


Figura 2. Cólon normal. Visão endoluminal 3D.


Figura 3. Cólon com relevo mucoso normal. CTC com dissecção virtual.



LESÕES COMUNS

Pólipos cólicos


A maioria dos CCRs se desenvolve a partir de pólipos adenomatosos. O risco de ocorrência de transformação maligna para pólipos diminutos, pequenos e grandes é de 0,08%, 0,7% e 15,7%, respectivamente(3). Os pólipos podem ser sésseis ou pediculados, sendo mais frequentes os primeiros. A prevalência de pólipos na população geral é alta e aumenta com a idade, variando de 20% a 25% aos 50 anos a 50% aos 75–80 anos. Trabalhos recentes de CTC relatam sensibilidade do método de até 96% para detecção de pólipos maiores ou iguais a 10 mm e de 88% para pólipos de 6 a 9 mm(9). Na CTC os pólipos apresentam densidade de partes moles, são fixos à mudança de decúbito e apresentam realce após a injeção de contraste intravenoso (Figuras 4, 5 e 6).


Figura 4. Pólipo adenomatoso pediculado de 10 mm (seta da direita) e divertículo (seta da esquerda). Colonoscopia virtual com visão endoluminal.


Figura 5. Pólipo adenomatoso pediculado de 10 mm e divertículo (seta). Correlação colonoscópica do caso apresentado na Figura 4.


Figura 6. Diminuto pólipo hiperplásico (seta) no cólon descendente. CTC visão endoluminal com dissecção virtual.



Câncer colorretal

O adenocarcinoma é o tumor maligno primário mais comum do cólon, sendo 30% encontrados no reto e 20% no sigmoide. Carcinomas sincrônicos estão presentes em 5% dos casos, o que aumenta a necessidade de se realizar CTC nos pacientes com CO incompleta por lesão estenosante (Figura 7). Preconiza-se o rastreamento populacional periódico a partir dos 50 anos de idade. A CTC tem sensibilidade e especificidade de 96% na detecção do CCR(3,9). Uma vantagem adicional da CTC é permitir, simultaneamente, o estadiamento a distância, após a injeção intravenosa do meio de contraste (Figuras 8 e 9). Na CTC, o CCR infiltrativo caracteriza-se como espessamento parietal assimétrico, irregular e que pode se estender para a gordura e estruturas pericólicas.


Figura 7. Câncer sincrônico de transverso. Lesões estenosantes e infiltrativas (setas). Visão da moldura colônica em reconstrução 3D na CTC.


Figura 8. Lesões pulmonares de aspecto secundário observadas nas imagens axiais da CTC, com janela para pulmão.


Figura 9. Lesão secundária hepática hipovascular (seta) observada na CTC após a injeção intravenosa do meio de contraste em paciente com neoplasia de cólon.



Doença inflamatória colorretal

A doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU) representam as doenças inflamatórias mais comuns. A RCU tipicamente inicia-se no reto e se estende para o cólon proximal, e a inflamação é restrita à mucosa e à submucosa (Figuras 10 e 11). A DC é uma doença inflamatória granulomatosa e pode acometer todo o trato gastrintestinal, entretanto, é mais frequente no íleo terminal e no ceco(10). A aplicação da CTC nas doenças inflamatórias intestinais e síndromes hereditárias colônicas é controversa, sendo rotineiramente contraindicada. Apesar disto, a CTC pode ser útil em uma estratégia alternativa com caráter complementar do diagnóstico(11).


Figura 10. Retocolite ulcerativa no cólon esquerdo com perda difusa das haustrações em cólon transverso e descendente. Visão da moldura cólica em 3D na CTC.


Figura 11. Retocolite ulcerativa no cólon esquerdo com perda difusa das haustrações. Visão endoluminal na CTC.



Doença diverticular dos cólons

A doença diverticular dos cólons é a afecção cólica mais comum, relacionada a fatores dietéticos, e pode acometer qualquer parte do intestino grosso, porém é mais usual no sigmoide e muito rara no reto. Nos exames de CTC são frequentes os casos de doença diverticular avançados que se apresentam como espessamento parietal segmentar(11) (Figura 12). Para se evitar complicações, a CTC deve ser realizada de quatro a seis semanas após o tratamento conservador da diverticulite e de biópsias previamente realizadas(8,11).


Figura 12. Divertículo cólico (seta). Visão endoluminal na CTC com dissecção virtual.



Lipoma intestinal

O lipoma é o tumor mesenquimal intestinal mais comum, cresce a partir da submucosa, pode ser grande e predominar o aspecto extraluminal. O local mais comum de acometimento é na válvula ileocecal. A CTC possibilita confirmar o diagnóstico pela presença do conteúdo gorduroso(11) (Figuras 13 e 14).


Figura 13. Lipoma simulando pólipo. Nódulo submucoso (seta) na imagem axial com superfície lisa e densidade negativa (UH: –50).


Figura 14. Lipoma simulando pólipo. Lesão polipoide com superfície lisa endoluminal (seta).



Endometriose

Cerca de 12% a 37% das pacientes com endometriose têm implantes no trato gastrintestinal, sendo o reto e o cólon sigmoide os locais mais acometidos(11). Na CTC a endometriose se mostra como lesão de aspecto retrátil extramucosa e como espessamento focal da parede intestinal (Figura 15). A utilidade da CTC na endometriose reside na definição da extensão da doença quando lesões submucosas e infiltrantes, que simulam o CCR, são identificadas na CO(11).


Figura 15. Endometriose profunda na transição retossigmoide (seta). O implante seroso determina estenose focal da alça. Visão da moldura cólica na CTC 3D.



PSEUDOLESÕES

Resíduo fecal (polipoide)


É a pseudolesão mais comum e difere do pólipo verdadeiro por ser móvel, ter atenuação heterogênea e muitas vezes com gás de permeio, tendendo a ter morfologia geométrica. O preparo intestinal com a ingestão de contraste auxilia na marcação das fezes, permitindo a sua diferenciação de pólipos verdadeiros(11) (Figuras 16 e 17).


Figura 16. Resíduo fecal (seta) simulando lesão plana na visão endoluminal.


Figura 17. Resíduo fecal (seta) marcado com bário na imagem axial, simulando pólipo.



Válvula ileocecal

A válvula ileocecal apresenta forma labial e frequentemente acumula gordura, podendo simular lesões polipoides e lipomas(11) (Figura 18).


Figura 18. Aspecto normal da válvula ileocecal (seta) na CTC. Imagem endoluminal.



Coto apendicular

O coto apendicular invertido, pós-apendicectomias, pode simular um pólipo. A típica localização e as reformatações no plano coronal podem ajudar a reconhecer esta pseudolesão(7) (Figuras 19 e 20).


Figura 19. Coto apendicular (seta) pós-apendicectomia simulando pólipo. Visão endoluminal.


Figura 20. Coto apendicular (seta) pós-apendicectomia simulando pólipo na imagem axial em 2D.



CONCLUSÃO

Os aspectos técnicos relacionados ao preparo e à aquisição das imagens de CTC, bem como o conhecimento das principais características das lesões e pseudolesões, são fundamentais para assegurar o elevado desempenho do método no rastreamento da neoplasia colorretal.


REFERÊNCIAS

1. Klabunde CN. Trends in the use and quality of colorectal cancer screening in the U.S. Presented at: NIH State-of-the-Science Conference: Enhancing Use and Quality of Colorectal Cancer Screening; February 2–4, 2010; Bethesda, MD, USA.

2. Levin B, Lieberman DA, McFarland, et al. Screening and surveillance for the early detection of colorectal cancer adenomatous polyps, 2008: a joint guideline from the American Cancer Society, the US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer, and the American College of Radiology. CA Cancer J Clin. 2008;58:130–60.

3. Pickhardt PJ, Hassan C, Halligan S, et al. Colo­rectal cancer: CT colonography and colonoscopy for detection – systematic review and meta-analysis. Radiology. 2011;259:393–405.

4. Kim DH, Pickhardt PJ, Taylor AJ, et al. CT colonography versus colonoscopy for the detection of advanced neoplasia. N Engl J Med. 2007;357:1403–12.

5. Ramos O Jr, Boguszewski CL, Teixeira S, et al. Performance of computed tomographic colono­graphy for the screening of colorectal polyp in acromegalic patients: a prospective study. Arq. Gastroenterol. 2009;46:90–6.

6. Pfeifer GK, Corleta O, Gus P. Avaliação do desempenho da colonografia tomográfica computadorizada (colonoscopia virtual) no diagnóstico de pólipos colorretais. Arq. Gastroenterol. 2008;45:301–7.

7. Mang T, Maier A, Plank C, et al. Pitfalls in multi-detector row CT colonography: a systematic approach. Radiographics. 2007;27:431–54.

8. Kim DH, Pickhardt PJ. Colonic distention for CT colonography. In: Pickhardt PJ, Kim DH, editors. CT colonography: principles and practice of virtual colonoscopy. 1st ed. Philadelphia, PA: Saunders Elsevier; 2010. p. 131–47.

9. Rosenberg JA, Rubin DT. Performance of CT colonography in clinical trials. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2010;20:193–207.

10. Costa-Silva L, Martins T, Passos MCF. Enterografia por tomografia computadorizada: experiência inicial na avaliação das doenças do intestino delgado. Radiol Bras. 2010;43:303–8.

11. Pickhardt PJ, Kim DH. Indications of performing CT colonography. In: Pickhardt PJ, Kim DH, editors. CT colonography: principles and practice of virtual colonoscopy. 1st ed. Philadelphia, PA: Saunders Elsevier; 2010. p. 72–390.










1. Médico, Pós-graduando nível Doutorado em Radiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
2. Doutor, Médico Radiologista Colaborador do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
3. Médico Radiologista Colaborador do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
4. Médico Radiologista, Pós-graduando nível Mestrado em Radiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
5. Médico Radiologista Especializando do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
6. Livre-docente, Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Giuseppe D'Ippolito
Rua Professor Filadelfo Azevedo, 617, ap. 61, Vila Nova Conceição
São Paulo, SP, Brasil, 04508-011
E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br

Trabalho realizado no Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Laboratório Fleury – Medicina e Saúde, São Paulo, SP, Brasil.

Recebido para publicação em 5/12/2011.
Aceito, após revisão, em 24/2/2012.
 
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