Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2013

EDITORIAL
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Page(s) V to VI



A avaliação ultrassonográfica da esquistossomose mansônica

Autho(rs): Giuseppe D'Ippolito

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A esquistossomose, segundo dados do Ministério da Saúde (MS) do Brasil, é uma endemia mundial, presente em 52 países e em 19 Estados brasileiros. No mundo, cerca de 200 milhões de pessoas são afetadas pela doença(1). No Brasil, as estimativas são divergentes quanto à sua prevalência(2), variando entre 2,5 e 8 milhões de portadores da doença(3). Desde a criação, em 1975, do Programa Especial de Controle da Esquistossomose (PECE), introduzindo a quimioterapia e medidas sanitárias nas áreas endêmicas, o número de portadores da doença vem decrescendo, conforme atestam dados do MS. Mesmo assim, o número de doentes ainda é expressivo no nosso meio(3).

A morbimortalidade da esquistossomose mansônica (EM) está relacionada ao grau de fibrose hepática, que, por sua vez, induz a hipertensão portal, circulação colateral e maiores riscos de sangramento(4-6). Desde a década de 1980, a ultrassonografia (US) vem exercendo papel crucial no diagnóstico das alterações abdominais relacionadas à EM, graduando a fibrose periportal e a hipertensão portal, bem como as suas complicações(4-7). Mais recentemente, estudos têm demonstrado que a ressonância magnética (RM) pode contribuir na avaliação não invasiva desses pacientes(1,8) e na diferenciação entre a EM e a cirrose hepática(9), mas a US permanece sendo a principal ferramenta diagnóstica, pela sua ampla disponibilidade e baixo custo(10).

Apesar do ser largamente utilizada, têm sido atribuídas à US algumas limitações, entre as quais a sua reprodutibilidade(8). Porém, mais recentemente foi demonstrado que a US possui elevada concordância na avaliação de pacientes com hipertensão portal(11), reforçando a sua utilidade entre os portadores de EM.

Por estas razões, é bem-vindo o artigo de Fernandes et al.(12), publicado neste número da Radiologia Brasileira. Neste estudo, os pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) avaliaram os aspectos ultrassonográficos de 89 pacientes portadores de formas clínicas crônicas da EM, provenientes de área endêmica e do Hospital Universitário da UFS, com o objetivo de estabelecer uma associação entre os aspectos de imagem propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)(13) e a morbidade da doença. Os autores concluíram que o protocolo ultrassonográfico adotado pela OMS detecta fibrose periportal avançada em pacientes com a forma grave da doença, com maior sensibilidade do que critérios isolados, como, por exemplo, a medida do espaço periportal. Estes achados confirmam o valor de uma avaliação abrangente do paciente com EM, incluindo estabelecer a extensão da fibrose portal, a presença de hipertensão portal (por meio de medidas do calibre da veia porta e veia esplênica e a presença de circulação colateral) e a organometria hepatoesplênica. Por outro lado, a pesquisa detectou baixa sensibilidade para fibrose periportal nos indivíduos com a forma hepatoesplênica da doença provenientes das áreas endêmicas e possivelmente decorrente de formas mais brandas de apresentação da EM, indicando, talvez, a limitada capacidade da US em detectar fibrose periportal nos estágios mais iniciais. Alguns estudos demonstraram a baixa concordância entre a US e a RM (considerada como método não invasivo mais eficaz na avaliação da fibrose periportal), na avaliação de graus leves de fibrose periportal(14,15), justificando os resultados encontrados por Fernandes et al.

O principal objetivo de programas de controle da esquistossomose é reduzir a sua morbidade. Para que isto ocorra é imprescindível um conhecimento preciso do estágio em que a doença se encontra em determinados grupos de pacientes, prevenindo assim possíveis complicações e estabelecendo prontamente a conduta mais adequada. A US tem mostrado ser uma ferramenta de valor inestimável, neste contexto. Estudos como o desenvolvido por Fernandes et al. permitem confirmar a utilidade do método, reconhecer algumas das suas limitações e motivar a busca de soluções.


REFERÊNCIAS

1. Bezerra AS, D'Ippolito G, Caldana RP, et al. Chronic hepatosplenic schistosomiasis mansoni: magnetic resonance imaging and magnetic resonance angiography findings. Acta Radiol. 2007;48:125-34.

2. Katz N, Peixoto SV. Análise crítica da estimativa do número de portadores de esquistossomose mansoni no Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2000;33:303-8.

3. Cantanhede SPD, Ferreira AP, Mattos IE. Esquistossomose mansônica no Estado do Maranhão, Brasil, 1997-2003. Cad Saúde Pública. 2011;27:811–6.

4. Homeida M, Abdel-Gadir AF, Cheever AW, et al. Diagnosis of pathologically confirmed Symmers' periportal fibrosis by ultrasonography: a prospective blinded study. Am J Trop Med Hyg. 1988;38:86–91.

5. Thomas AK, Dittrich M, Kardorff R, et al. Evaluation of ultrasonographic staging systems for the assessment of Schistosoma mansoni induced hepatic involvement. Acta Trop. 1997;68:347–56.

6. Abdel-Wahab MF, Esmat G, Farrag A, et al. Grading of hepatic schistosomiasis by the use of ultrasography. Am J Trop Med Hyg. 1992;46:403–8.

7. [No authors listed]. The use of diagnostic ultrasound in schistosomiasis – attempts at standardization of methodology. Cairo Working Group. Acta Trop. 1992;51:45–63.

8. Leão ARS, Sales DM, Santos JEM, et al. Avaliação do volume de fluxo portal em pacientes esquistossomóticos: estudo comparativo entre ressonância magnética e ultrassom Doppler. Radiol Bras. 2010;43:355–61.

9. Bezerra AS, D'Ippolito G, Caldana RP, et al. Differentiating cirrhosis and chronic hepatosplenic schistosomiasis using MRI. AJR Am J Roentgenol. 2008;190:W201–7.

10. Azeredo LM, Queiroz LC, Marinho CC, et al. Aspectos ultrassonográficos e hemodinâmicos da esquistossomose mansônica: avaliação pela ultrassonografia Doppler em áreas endêmicas. Radiol Bras. 2010;43:69–77.

11. Sebastianes PM, Sales DM, Santos JE, et al. Interobserver variability of ultrasound parameters in portal hypertension. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2010;105:409–13.

12. Fernandes DA, Chagas ACP, Jesus AR, et al. Aspectos ultrassonográficos associados à morbidade de formas clínicas crônicas de esquistossomose mansônica, utilizando-se protocolo proposto pela Organização Mundial da Saúde. Radiol Bras. 2013;46:1–6.

13. Niamey Working Group, 2000. Ultrasound in schistosomiasis. A practical guide to the standardized use of ultrasonography for the assessment of schistosomiasis related morbidity. TDR/SCH/00.1. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2000.

14. Silva LCS, Andrade LM, Queiroz LC, et al. Schistosoma mansoni: magnetic resonance analysis of liver fibrosis according to WHO patterns for ultrasound assessment of schistosomiasis-related morbidity. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2010;105:467–70.

15. Silva LCS, Pereira ACF, Queiroz LC, et al. Disagreement between ultrasound and magnetic resonance imaging in the identification of schistosomal periportal fibrosis. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2006;101 Suppl 1:279–82.










Professor Livre-docente do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br.
 
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