Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2013

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 110 to 116



Linfoma do sistema nervoso central: ensaio iconográfico*

Autho(rs): Fabiano Reis1; Ricardo Schwingel2; Felipe Barjud Pereira do Nascimento3

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Descritores: Linfoma; Sistema nervoso central; Ressonância magnética.

Keywords: Lymphoma; Central nervous system; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
Ilustramos este ensaio iconográfico de linfoma do sistema nervoso central com imagens de ressonância magnética obtidas em nosso serviço nos últimos 13 anos e discutimos algumas das principais características radiológicas deste tipo de linfoma, primário e secundário. O linfoma sistema nervoso central é um tumor relativamente infrequente, mas alguns achados na ressonância magnética podem sugerir este diagnóstico.

Abstract:
The authors illustrate the present pictorial essay about central nervous system lymphoma with magnetic resonance images obtained in their institution over the past 13 years. Some of the main radiological findings in primary and secondary presentations of this type of lymphoma are discussed. Central nervous system lymphoma is a relatively uncommon tumor, but magnetic resonance imaging findings may suggest the diagnosis.

INTRODUÇÃO

O linfoma do sistema nervoso central (SNC) pode se apresentar como doença primária, porém, mais frequentemente, como doença secundária. Em levantamento realizado nos EUA entre 2004 e 2008, o linfoma representou 2,3% dos tumores primários do SNC, sendo mais comum em homens (1,38:1) e após a sexta década de vida(1). Tipicamente, o linfoma primário do SNC (LPSNC) é não Hodgkin de células B, mas ocasionalmente pode se manifestar como linfoma de células T, linfomatose intravascular ou linfoma de Hodgkin(2,3). Por outro lado, quando a doença não é primária do SNC, as metástases para este local ocorrem em 2% a 15% dos casos, no linfoma não Hodgkin. Também as imunodeficiências primárias ou adquiridas estão associadas a maior risco de desenvolvimento de linfoma primário ou secundário do SNC(2).

O diagnóstico precoce do linfoma do SNC depende do entendimento de suas variadas apresentações nas imagens de ressonância magnética (RM) pelos radiologistas.

Neste trabalho reunimos imagens obtidas nos últimos 13 anos no Serviço de Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os diagnósticos foram devidamente confirmados pela histopatologia e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.


CARACTERÍSTICAS RADIOLÓGICAS

Em relação à localização das lesões, a região supratentorial é geralmente mais afetada do que a região infratentorial. Com certa frequência, no caso de lesões intraaxiais profundas, as regiões estriatocapsulares e o corpo caloso são acometidos. Entretanto, lesões em outros sítios, como hipófise, seio cavernoso, hipotálamo, pineal e fossa posterior, podem ser observadas. São comuns as lesões periventriculares e em regiões superficiais, com contato com as superfícies ventriculares (por exemplo, lesões intraventriculares) e meníngeas(2-7).

Em imunocompetentes, o linfoma do SNC tende a se apresentar como grande massa habitualmente única e sólida, com células tumorais que tendem a ser monoclonais. A idade do paciente no início da doença e o tempo de sobrevida são, em geral, maiores. Essas lesões únicas, com alta celularidade e geralmente sem necrose, apresentam-se preponderantemente com hipossinal (ou isossinal) em T2 e isossinal em T1 e mostram realce intenso após administração intravenosa do contraste paramagnético. Uma lesão deste tipo envolvendo o corpo caloso é bastante sugestiva de linfoma (Figura 1)(5). Além disso, não só a imagem pode mostrar o comum edema perilesional, que ocorre em graus variados, e o efeito de massa, mas também a frequente disseminação subependimária (Figura 2A)(4-7).


Figura 1. Paciente do sexo feminino, 53 anos. RM sagital em T1 após contraste (A) e axial em T2 (B) mostra lesão única no corpo caloso e giro do cíngulo, com realce difuso e homogêneo pelo contraste. Em T2, a lesão é hipointensa. Há acentuado edema perilesional. O acometimento do SNC foi primário nesse caso e a análise anatomopatológica indicou linfoma não Hodgkin de grandes células B (centroblástico).


Figura 2. Paciente do sexo feminino, 19 anos. RM coronal T1 após contraste (A) revela lesão periventricular esquerda, com impregnação homogênea pelo contraste. Há disseminação subependimária. A espectroscopia com TE de 135 ms (B) demonstra aumento dos níveis de colina, redução dos níveis de NAA e pico invertido de lactato (dubleto em 1,3 ppm). Neste caso, o SNC foi o local de acometimento primário pelo linfoma.



Existem várias similaridades importantes em pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e outras formas de imunossupressão. Nestes casos, existe maior probabilidade de o LPSNC se apresentar como lesões multifocais (Figuras 3A e 3B) com necrose (Figuras 4A e 4B), o que pode dificultar a diferenciação do LPSNC com a toxoplasmose.


Figura 3. Paciente do sexo masculino, 3 anos. RM coronal T1 após contraste (A) mostra lesões centroencefálicas, corticais e subcorticais com realce nodular homogêneo pelo contraste. Há disseminação subependimária. No corte axial em T2 (B) as lesões têm sinal isointenso e algumas têm o centro hiperintenso. Nota-se também moderado edema perilesional. À espectroscopia com TE 135 ms (C) nota-se aumento dos níveis de colina, redução dos níveis de NAA e pico invertido de lactato.


Figura 4. Paciente do sexo feminino, 32 anos, HIV positivo. RM axial T1 pré-contraste (A) evidencia lesão parietotemporal direita, com componentes de hipersinal (hemorrágicos). B,C: Axial e coronal T1 após contraste demonstram impregnação periférica pelo contraste e moderado edema vasogênico perilesional. O componente central hipocaptante corresponde à necrose.



Sobre o realce da lesão após contraste, várias séries mostram que sua ausência pode ser considerada rara no linfoma do SNC (Figura 5)(5,6).


Figura 5. Paciente do sexo masculino, 30 anos. As imagens mostram lesão de aspecto infiltrativo na substância branca profunda, bilateralmente, que cruza a linha média, com sinal variável e componente hipointenso em T2 (A,B - setas), no joelho e esplênio do corpo caloso. FLAIR coronal (B) com predomínio de hipersinal. T1 axial antes (C) e após gadolínio (D) não apresenta realce pelo contraste. Linfoma não Hodgkin de células B periféricas de alto grau histológico com alto índice proliferativo, compatível com linfoma difuso de grandes células B. Linfoma secundário de SNC (primário de testículo).



O envolvimento de paqui ou leptomeninges é mais comum no linfoma secundário ou em pacientes imunocomprometidos. Além disso, a localização extra-axial e a aparência de lesões durais/paquimeníngeas pode ser parecida com a dos meningiomas (Figuras 6 e 7)(4). O acometimento secundário do SNC pelo linfoma não Hodgkin ocorre, geralmente, por infiltração leptomeníngea (encontrado em até dois terços dos casos) e de espaços perivasculares, resultando em lesões do parênquima (encontrado em um terço dos casos - Figuras 8 e 9)(2,3). As lesões em pares cranianos também podem ser observadas, mas são relativamente infrequentes, podendo ser solitárias ou múltiplas (Figura 10)(3,4,8). Por outro lado, no linfoma de Hodgkin o acometimento primário do SNC é raro e o envolvimento secundário representa manifestação tardia de doença disseminada (Figura 11).


Figura 6. Paciente do sexo feminino, 52 anos. As imagens mostram espessamento dural (paquimeníngeo) difuso supra e infratentorial na região mediana e à direita, com hipossinal em T2, com realce homogêneo pelo contraste (C), e zonas de hipersinal em difusão (D) e hipossinal no mapa de ADC caracterizando restrição à difusão (E). Linfoma não Hodgkin de imunofenótipo B e de alto grau histológico.


Figura 7. Paciente do sexo feminino, 42 anos. RM coronal T1 após contraste apresenta lesão extraaxial única na fossa temporal direita com realce homogêneo. Antes do acometimento intracraniano houve um quadro prévio de sinusite crônica, cuja causa foi posteriormente identificada por biópsia de seio maxilar direito como linfoma não Hodgkin difuso de grandes células B.


Figura 8. Paciente do sexo feminino, 57 anos. RM coronal T1 após contraste revela lesão compacta, intra-axial, subcortical e profunda frontal direita com comprometimento de estruturas centroencefálicas homolaterais. O realce pelo contraste é homogêneo. Há acentuado edema perilesional. O tumor atingiu primariamente os brônquios. O laudo anatomopatológico de biópsia torácica revelou linfoma não Hodgkin de grandes células B com restrição de cadeias leves lambda em mucosa brônquica. O SNC foi local secundariamente acometido.


Figura 9. Paciente do sexo masculino, 59 anos. Imagem em T1 sagital fino após gadolínio (A) mostra massa com realce intenso pelo contraste no hemisfério cerebelar direito. Em T2 axial (B) vê-se a lesão no hemisfério cerebelar direito e pedúnculo cerebelar médio homolateral com hipossinal. Difusão com hipersinal (C) e mapa de ADC com hipossinal (D), caracterizando restrição à difusão. Espectroscopia de prótons (E) com TE de 30 ms (curto) revela importante pico em 1,3 ppm (lipídios/lactato) e redução de NAA (em 2,0 ppm). Linfoma não Hodgkin tipo B, secundário de SNC.


Figura 10. Mesmo caso da Figura 9. Imagem em T1 axial após contraste (A) mostra espessamento e realce dos XI nervos bilateralmente. Em T1 coronal após contraste (B) nota-se espessamento e realce homogêneo dos V e VII-VIII nervos, bilateralmente. Em axial 3D CIS o espessamento bilateral dos V nervos (C) e dos VII-VIII nervos (D,E). Em T1 sagital após contraste (F) observa-se realce e espessamento do III nervo.


Figura 11. Paciente do sexo masculino, 22 anos. RM coronal em T1 (A) mostra lesão extra-axial frontal esquerda com realce difuso pelo meio de contraste. Na imagem axial em T2 (B) a lesão é hipointensa. Existe acentuado edema. A extensão ao SNC foi secundária a doença de Hodgkin/esclerose nodular tipo II, diagnosticada por biópsia de linfonodo cervical.



ESPECTROSCOPIA

A espectroscopia de prótons por RM fornece gráficos que permitem a análise de metabólitos específicos do tecido tumoral, principalmente de lesões parenquimatosas. Pode-se, por meio deste método complementar, avaliar: a colina (pico em 3,2 ppm), que marca a biossíntese de membranas celulares; o N-acetilaspartato (NAA) (2,0 ppm), relacionado ao número e viabilidade neuronal e axonal; a creatina (3,02 e 4,0 ppm), usada como referência por sua estabilidade e um marcador de fosforilação oxidativa do metabolismo cerebral normal; o lactato (1,3 ppm), relacionado ao metabolismo anaeróbio, observado em situações de anaerobiose; os lipídios (localizados geralmente entre 0,9 e 1,3 ppm), relacionados à necrose(9). No linfoma do SNC é comum haver um padrão de aumento dos níveis de colina, redução do NAA, aumento de lipídios (sobretudo no componente sólido e sem necrose, dado este que ajuda no diagnóstico diferencial, tendo em vista que este pico em lesões gliais costuma ser observado no componente necrótico) (Figuras 2B, 3C, 4C e 9E). Foi sugerido que a espectroscopia poderia auxiliar na diferenciação entre o linfoma, o glioblastoma multiforme e metástases(10). Importante ressaltar que com tempo de eco de 135-144 ms o lactato se caracteriza por um pico duplo (dubleto) abaixo da linha de base (invertido). Com tempo de eco curto (30 ou 35 ms), pico de lipídios/lactato pode ser demonstrado em cerca de 1,3 ppm, acima da linha de base. Pode-se ainda usar tempo de eco bem alto, de 270 ou 288 ms, em que os lipídios são suprimidos e o lactato aparece como um dubleto acima da linha de base(4,5,9).


DIFUSÃO

As imagens de RM ponderadas em difusão medem o coeficiente aparente de difusão (ADC - apparent diffusion coefficient), que é inversamente proporcional à densidade celular, presumivelmente decorrente da tortuosidade do espaço intersticial e consequente limitação do movimento da água. Embora nem sempre observável, o linfoma do SNC tende a ter um valor baixo de ADC nas imagens de RM ponderadas em difusão, por causa de sua alta celularidade, apresentando, caracteristicamente, restrição nas lesões que não apresentam necrose (Figuras 6D, 6E, 9C e 9D)(2,5,10).


PERFUSÃO

As técnicas de perfusão por RM avaliam a microcirculação, permitindo o cálculo de parâmetros físicos como o volume sanguíneo cerebral (CBV), o fluxo sanguíneo cerebral, o tempo médio de trânsito. As lesões de natureza linfomatosa tipicamente apresentam baixo CBV (Figura 12). O CBV máximo relativo medido no tumor e sua relação com o parênquima contralateral é baixo quando comparado com o de outros tumores cerebrais(2).


Figura 12. Paciente do sexo masculino, 63 anos. Lesão nodular localizada na região mesial temporal esquerda, com isossinal em T2 (A), acentuado realce pelo contraste nesta lesão (B), além de hipersinal em DWI (C) e hipossinal no mapa de ADC (D), caracterizando restrição à difusão. O mapa de CBV (D) não demonstra aumento perfusional na região captante de contraste, caracterizado pela análise quantitativa em forma de curvas (E,F). Observam-se ainda, na imagem B, focos de realce na superfície de revestimento ependimário do corno temporal direito, caracterizando disseminação liquórica. (Caso gentilmente cedido pelo Dr. Cassio Iwakura, do Hospital Vera Cruz de Campinas).



CONCLUSÃO

O linfoma do SNC pode se apresentar de formas variadas, mas alguns achados podem contribuir para facilitar o diagnóstico diferencial, que inclui gliomas, metástases e doenças inflamatórias. A observação de uma lesão expansiva sólida, supratentorial, hipointensa em T2, sem evidências de necrose, com pico de lipídios no componente sólido, com baixa perfusão e que restringe a difusão, favorece a possibilidade desse diagnóstico.


REFERÊNCIAS

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1. Doutor, Docente responsável pelo Setor de Neurorradiologia, Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
2. Graduando de Medicina (sexto ano) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
3. Médico Radiologista, Pós-graduando em Neurorradiologia no Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Fabiano Reis
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Radiologia
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz
Caixa Postal: 6111. Campinas, SP, Brasil, 13083-887
E-mail: fabianoreis2@gmail.com

Recebido para publicação em 16/7/2012.
Aceito, após revisão, em 5/11/2012.

* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. Auxílio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - Processo nº 2010/01939-0.
 
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