Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 5 - Set. / Out.  of 2013

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Page(s) XIII to XV



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Amanda Nogueira de Sá Gonçalves Ligabô1; João Maurício Canavezi Indiani2; Marcelo Fontalvo Martin2; Rodrigo Ciotola Bruno3; Paulo Maurício Chagas Bruno4; Marcelo Souto Nacif5

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Texto em Português English Text

Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade, com queixas de desconforto vaginal e retal principalmente durante a evacuação, relatava saída de uma "bola" pela vagina durante aumento da pressão abdominal como tosse e evacuação. Sintomas persistiram por cinco anos até a procura de avaliação pelo coloproctologista. Relata um parto normal há 30 anos com prolongamento do tempo de trabalho de parto. Paciente encaminhada para realização de defecografia para auxílio diagnóstico (Figuras 1 e 2).


Figura 1. Defecografia nas fases de repouso, contração e Valsalva.


Figura 2. Defecografia nas fases de evacuação, evacuação forçada e pós-evacuação.



DESCRIÇÃO DAS IMAGENS

Figura 1. Presença de retocele anterior medindo 5,1 cm, retocele posterior com 3,7 cm e enterocele já no repouso. A paciente apresenta discreto descenso retoperineal ao repouso. A contração foi eficiente, promovendo angulação satisfatória do reto. As alterações encontradas caracterizam flacidez do músculo puborretal.

Figura 2. A: Observar que na fase de evacuação existe piora significativa da retocele anterior, medindo 11,6 cm, protruindo em direção à vagina, associada a prolapso interno retorretal (intussuscepção) e piora da enterocele, que agora causa compressão do reto (grau II). O descenso retoperineal é nítido. B: Na evacuação forçada existe piora da retocele anterior, que passa a medir 11,6 cm, promovendo prolapso externo retovaginal, intussuscepção e enterocele com descenso retoperineal. C: Na fase pósevacuatória não existe retorno ativo das estruturas para a posição anatômica, necessitando readaptação manual.

Diagnóstico: Distopia genital caracterizada por prolapso retovaginal, enterocele e intussuscepção diagnosticado pelo exame de defecografia.


COMENTÁRIOS

A defecografia é método radiológico de estudo da defecação que fornece imagens das alterações morfofuncionais da pelve e do segmento anorretal. É um valioso método para o estudo da fisiologia da dinâmica pélvica e de distúrbios colorretais(1).

O exame físico é muitas vezes difícil e pouco apurado, subestimando o prolapso de órgãos pélvicos em cerca de 45% a 90% dos casos. Além disso, o exame físico pode não diagnosticar prolapsos associados. A disfunção de múltiplos compartimentos é comum e o diagnóstico pré-operatório é de extrema importância, pois altera a conduta cirúrgica. A inabilidade de se fazer este diagnóstico pode acarretar no fracasso terapêutico e recorrência dos sintomas(2).

Define-se como prolapso genital o deslocamento das vísceras pélvicas no sentido caudal, em direção ao hiato genital. Decorre do desequilíbrio entre as forças que mantêm os órgãos pélvicos em sua posição normal e as que tendem a impeli-los para fora da pelve(3).

Tendo em vista que existem vários órgãos suspensos na cavidade pélvica, é possível distinguir diferentes tipos de prolapso genital, que muitas vezes se manifestam em conjunto. O prolapso genital também pode ser designado como colpocele.

Em caso de colpocele anterior, ou cistocele, a bexiga pressiona o septo anterior da vagina, formando uma proeminência no interior do canal vaginal. Em caso de colpocele posterior, ou rectocele, o reto pressiona o septo posterior da vagina e forma uma procidência no seu interior. O mesmo ocorre com o enterocele, no qual o prolapso afeta a parte superior do septo vaginal posterior, proporcionando a formação de uma hérnia constituída por uma porção de intestino(4).

As retoceles podem ser assintomáticas ou podem causar sintomas intestinais como dificuldade ou desconforto para evacuar, incontinência de flatos ou fecal; e sintomas locais como peso vaginal, pressão, dor ou dispareunia(5).

De acordo com o volume e a descida da cistocele, do prolapso uterino ou da retocele, elas podem ser classificadas em três graus, conforme a seguinte classificação: a) primeiro grau: quando há alguma descida da parede vaginal e órgão adjacente (bexiga, útero ou reto) durante esforços, sem atingir o introito vaginal; b) segundo grau: quando ocorre descida maior da parede vaginal e órgão adjacente, chegando a atingir o introito vaginal, porém sem ultrapassá-lo completamente. A rotura perineal de segundo grau é a rotura parcial ao nível do corpo perineal, com afastamento da musculatura do diafragma pélvico, sem atingir o ânus; c) terceiro grau: ocorre quando se forma uma protrusão envolvendo a parede vaginal e o órgão adjacente, que ultrapassa o introito vaginal. Considera-se como prolapso uterino de terceiro grau quando todo o corpo uterino ultrapassa o introito vaginal. Na rotura perineal de terceiro grau há divisão completa do corpo perineal e esfíncter anal, com aposição da mucosa vaginal à mucosa retal(6).

Existe risco para a paciente quando ocorrem complicações, por exemplo, em caso de cistocele, prolapso uterino ou retocele de terceiro grau poderá ocorrer ceratinização do epitélio vaginal constantemente exposto e ressecado, e até ulceração do segmento prolapsado decorrente da isquemia local. Em casos mais extremos, pode haver encarceramento do segmento prolapsado (geralmente o útero), devido ao edema importante e/ou à infecção da região exteriorizada, impedindo o retorno do órgão ao interior da vagina. Raramente, poderá desenvolver-se um câncer na vagina ou no colo uterino prolapsado(6).

No nosso caso, a defecografia foi fundamental (Figura 3) para melhor avaliação da fisiopatologia do ato evacuatório e que era impactante na qualidade de vida da nossa paciente. Observamos que a medida do ângulo anorretal demonstra contração e evacuação satisfatórias, promovendo a angulação esperada do reto que se torna mais agudo durante a contração e obtuso na evacuação. A medida do músculo puborretal se manteve a mesma em todas as fases (26 cm), caracterizando o não relaxamento do músculo puborretal durante a evacuação. Também, foi possível caracterizar a retocele anterior e posterior, enterocele, descenso perineal, intussuscepção retal e o prolapso retovaginal.


Figura 3. Defecografia nas quatro fases de estudo: repouso, contração, Valsalva e evacuação demonstrando a medida do ângulo anorretal e a medida do músculo puborretal.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

O prolapso vaginal interfere diretamente na qualidade de vida da paciente e por isso deve ser diagnosticado o mais precocemente possível, para um tratamento rápido e adequado. A defecografia tem boa sensibilidade para a detecção precoce de prolapso interno e externo de órgãos pélvicos pela vagina e reto.

No presente caso, a paciente foi submetida a cirurgia para correção da retocele anterior e posterior, enterocele e da protrusão retovaginal, mediante abordagem via vaginal (colporrafia posterior) e via abdominal. Foi realizada, no mesmo tempo cirúrgico, correção da cistocele (colporrafia anterior). A paciente evoluiu bem após três meses da cirurgia, sem queixas pélvicas.


REFERÊNCIAS

1. Sobrado CW, Pires CEF, Amaro S, et al. Videodefecografia: aspectos técnicos atuais. Radiol Bras. 2004;37;283-5.

2. Karasick S, Karasick D, Karasick SR. Functional disorders of the anus and rectum: findings on defecography. AJR Am J Roentegenol. 1993;160:777-82.

3. Mezwa DG, Feczko PJ, Bosanko C. Radiologic evaluation of constipation and anorectal disorders. Radiol Clin North Am. 1993;31:1375-93.

4. Ganeshan A, Anderson EM, Upponi S, et al. Imaging of obstructed defecation. Clin Radiol. 2008;63:18-26.

5. Castro EB, Palma PCR, Herrmann V, et al. Defeitos do compartimento vaginal posterior: fisiopatologia e tratamento da retocele. Femina. 2007;35: 363-7.

6. Salvatore CA. Tratamento cirúrgico do prolapso uterino. São Paulo: Livraria Roca; 1982.










1. Médico Aperfeiçoando do Primeiro Ano da Unidade de Radiologia Clínica, São José dos Campos, SP, Brasil
2. Médicos Radiologistas da Unidade de Radiologia Clínica, São José dos Campos, SP, Brasil
3. Mestre, Médico Cirurgião Geral e Coloproctologista do Hospital Vivalle, São José dos Campos, SP, Brasil
4. Médico Cirurgião Geral e Coloproctologista do Hospital Vivalle, São José dos Campos, SP, Brasil
5. Professor Adjunto do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Marcelo Souto Nacif
Rua Barão de Cocais, 324, Bosque Imperial
São José dos Campos, SP, Brasil, 12242-042
msnacif@gmail.com / www.msnacif.med.br

Trabalho realizado na Unidade de Radiologia Clínica (URC) e no Hospital Vivalle, São José dos Campos, SP, Brasil.
 
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