Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 5 - Set. / Out.  of 2014

RELATO DE CASO
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Page(s) 317 to 319



Traqueobronquite aguda causada por Aspergillus: relato de caso e achados de imagem

Autho(rs): Katia Hidemi Nishiyama1; Esther de Alencar Aripe Falcão2; Fernando Uliana Kay3; Gustavo Borges Silva Teles3; Fabiola Del Carlo Bernardi4; Marcelo Buarque de Gusmão Funari5

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Texto em Português English Text

Descritores: Aspergilose; Doença da traqueia; Hospedeiro imunocomprometido.

Keywords: Aspergillosis; Tracheal disease; Immunocompromised host.

Resumo:
Traqueobronquite aguda é uma forma rara da aspergilose invasiva e geralmente ocorre em pacientes com imunodepressão grave. Relatamos o caso de um paciente no pós-transplante de medula óssea com a manifestação desta doença, dando ênfase aos achados tomográficos encontrados.

Abstract:
Acute tracheobronchitis is a rare manifestation of invasive aspergillosis, generally occurring in severely immunocompromised patients. The authors report the case of a patient presenting with this condition after bone-marrow transplantation, with emphasis on tomographic findings.

INTRODUÇÃO

A traqueobronquite aguda causada por Aspergillus sp é uma manifestação rara da forma invasiva deste fungo. Também conhecida como traqueobronquite ulcerativa e pseudomembranosa, geralmente ocorre em pacientes com imunodepressão grave(1,2) e apresenta alta mortalidade, relatada em mais de 70% dos casos(3), e até o presente foi pouco descrita e ilustrada na literatura.

Relatamos um caso de aspergilose traqueobrônquica em paciente com quadro de neutropenia febril no pós-transplante de medula óssea, sendo discutidos os principais achados tomográficos.


RELATO DO CASO

Homem de 62 anos, no 16º dia de pós-transplante autólogo de medula óssea por linfoma de células do manto, apresentando quadro de neutropenia febril associada a tosse seca e dispneia. Foi solicitada tomografia computadorizada (TC) de tórax para pesquisa de foco infeccioso, que demonstrou espessamento traqueobrônquico difuso associado a densificação da gordura mediastinal adjacente (Figura 1).


Figura 1. TC de tórax sem contraste, cortes axiais. a: Janela de mediastino - discreto espessamento traqueal (seta) associado a tênue densificação da gordura mediastinal adjacente. b: Janela de mediastino - nota-se também a presença de espessamento parietal dos brônquios principais, mais evidente à esquerda (seta). c: Janela de pulmão - espessamento parietal brônquico (seta) associado a atelectasias laminares (cabeça de seta).



O paciente já vinha fazendo uso de antibioticoterapia empírica pelo quadro febril, recebendo inclusive cobertura para infecções fúngicas com anfotericina B. Foi submetido a tomografias de controle, que não apresentaram alterações evolutivas significativas. Entretanto, o paciente referia persistência da tosse e hemoptoicos. A tomografia realizada 1 mês e 10 dias após mostrou piora nos achados de imagem, notando-se um maior espessamento da traqueia e das paredes brônquicas e aumento da densificação da gordura mediastinal adjacente (Figura 2).


Figura 2. TC de tórax sem contraste, cortes axiais, realizada 1 mês e 10 dias após a primeira. a,b: Janela de mediastino - houve aumento do espessamento difuso da parede traqueal e das paredes brônquicas (setas), principalmente à esquerda, e maior borramento da gordura mediastinal adjacente. c: Janela de pulmão - aumento do espessamento parietal brônquico e das atelectasias pulmonares no lobo inferior esquerdo (cabeça de seta), com surgimento de micronódulos centrolobulares adjacentes.



Após três semanas, o paciente foi submetido a laringotraqueobroncoscopia, sendo observadas, na traqueia e na árvore brônquica, placas esbranquiçadas aderidas à parede, porém destacáveis, com mucosa subjacente friável. Algumas dessas placas determinavam obstrução de óstios segmentares. Foi colhido lavado broncoalveolar do lobo inferior esquerdo e foram realizadas biópsias endobrônquicas.

A biópsia revelou presença de hifas com bifurcação em 45°, coradas pelo método histoquímico de Grocott, com características de Aspergillus sp (Figuras 3a e 3b), e a TC de tórax, realizada dois dias após a laringotraqueobroncoscopia, mostrou progressão da doença (Figura 3c). A cultura do lavado broncoalveolar foi positiva para Aspergillus sp.


Figura 3. Anatomia patológica e TC de tórax quatro semanas após o primeiro exame. a,b: Estruturas fúngicas com bifurcação em 45°. b: Coloração Grocott, específica para fungos. c: TC de tórax sem contraste, corte axial, quatro semanas após o primeiro exame revela progressão da doença com maior espessamento traqueobrônquico (seta), bem como da densificação da gordura mediastinal.



Em virtude da estabilidade clínica, o paciente recebeu alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial no hospital-dia, sendo introduzido, nesta ocasião, outro antifúngico (voriconazol via oral), com o intuito de ampliar a cobertura antifúngica.

Após dois dias, foi novamente internado por quadro de dor abdominal, diarreia, hipotensão e pico febril, com diagnóstico de choque séptico de foco abdominal, necessitando de cuidados intensivos em unidade de terapia intensiva e, a despeito do suporte clínico, o paciente faleceu em três dias.


DISCUSSÃO

O espectro do acometimento da árvore brônquica e do parênquima pulmonar causado pelo Aspergillus sp é variável de acordo com a imunidade do paciente e a preexistência de doença pulmonar. É uma infecção oportunista comum e potencialmente letal que pode se apresentar das seguintes formas: broncopulmonar alérgica, saprofítica (aspergiloma), angioinvasiva e crônica necrosante, além da forma traqueobrônquica (invasiva das vias aéreas). Esta última é uma manifestação incomum da doença, predominantemente limitada às vias aéreas, e ocorre geralmente em pacientes com imunossupressão grave ou com síndrome da imunodeficiência adquirida(1,2,4). Além desses, outros importantes fatores de risco descritos na literatura são o transplante de pulmão e a corticoterapia(5). A apresentação clínica é variável e inespecífica, o que mascara e atrasa o seu diagnóstico. Tosse, febre e dispneia são os sintomas mais frequentes e a hemoptise é relatada em 11,5% a 26,3% dos casos(5,6).

Recentemente, o uso da dosagem seriada da galactomanana (polissacarídeo da parede do Aspergillus sp) tem sido proposto para o diagnóstico de aspergilose pulmonar invasiva. No entanto, apesar da sua alta especificidade (85% a 99%), alguns estudos têm demonstrado sensibilidade variável de 29% a 94%(7). Nestes casos, os achados tomográficos típicos parecem preceder as alterações laboratoriais da aspergilose pulmonar invasiva nos pacientes neutropênicos, precedendo inclusive a elevação da galactomanana sérica(7).

Na broncoscopia, a aspergilose traqueobrônquica pode se apresentar como uma forma ulcerativa focal ou difusa, ou ainda, como placas elevadas esbranquiçadas associadas a lesões inflamatórias e pseudomembranas(1,2), sendo historicamente classificada em três formas de acordo com tais achados: pseudomembranosa, ulcerativa e obstrutiva(4,5). No entanto, atualmente, alguns autores afirmam que tais formas representariam diferentes estágios de uma mesma doença e não entidades distintas. Uma nova classificação foi proposta: tipo I - infiltração superficial; tipo II - envolvimento mais profundo com acometimento da cartilagem e destruição das vias aéreas; tipo III - obstrutiva (com oclusão da via aérea maior ou igual a 50% por pseudomembranas, tecido de granulação polipoide ou tecido necrótico); tipo IV - forma mista (coexistência de duas ou mais formas)(6). O tipo II parece estar mais relacionado a maior agressividade e pior prognóstico(6).

Em relação aos achados de imagem, a literatura descreve o espessamento da parede traqueal ou brônquica como principal achado(1,2). Presença de placas irregulares, multifocais na parede da traqueia, que apresentam muitas vezes alta atenuação, em razão da habilidade do Aspergillus sp de fixar cálcio, também é descrita(7,8). Segundo Fernández-Ruiz et al.(5), os sinais específicos são encontrados em apenas 25% dos casos: espessamento traqueobrônquico liso ou nodular - 14,3%; atelectasias - 8,2%; massa endobrônquica - 2,1%. No nosso caso, além do espessamento traqueobrônquico, observamos também densificação da gordura mediastinal adjacente, achado que pode estar relacionado a infiltração dos planos teciduais adjacentes.

A biópsia transbrônquica associada a cultura da amostra tem alta acurácia diagnóstica, no entanto, muitas vezes ela é contraindicada pela presença de trombocitopenia ou coagulopatia, observada nos pacientes com doenças hematológicas malignas.

Não há recomendações específicas para o tratamento da aspergilose traqueobrônquica. O uso de voriconazol tem sido relatado na literatura como medicamento de escolha, com a desvantagem do seu alto custo. Desta forma, outros antifúngicos ou combinações de diferentes antifúngicos também são bastante utilizados na prática clínica(5). No estudo realizado por Fernández-Ruiz et al.(5), a forma traqueobrônquica parece ser relativamente mais benigna do que as outras formas invasivas da aspergilose, sendo os principais fatores preditores de mortalidade a neutropenia e a insuficiência respiratória aguda como apresentação inicial da doença.

Apesar da raridade, ressaltamos a importância do conhecimento da traqueobronquite aguda causada pelo Aspergillus sp, uma vez que ela acomete pacientes gravemente imunocomprometidos, com altas taxas de mortalidade, e o seu prognóstico depende do tratamento adequado precoce. Neste relato de caso procuramos dar ênfase aos achados tomográficos (pouco descritos e ilustrados na literatura), os quais muitas vezes podem ser decisivos no diagnóstico desta entidade, principalmente nos pacientes em que a broncoscopia com biópsia, ainda considerada o padrão de referência para o diagnóstico, é contraindicada.

Agradecimentos

Agradecemos aos Drs. Hamilton Shoji, Danilo Perussi Bianco e Ricardo Mazzetti Guerrini, pelo suporte durante a preparação deste manuscrito.


REFERÊNCIAS

1. Kang EY. Large airway diseases. J Thorac Imaging. 2011;26:249-62.

2. Franquet T, Müller NL, Oikonomou A, et al. Aspergillus infection of the airways: computed tomography and pathologic findings. J Comput Assist Tomogr. 2004;28:10-6.

3. Krenke R, Grabczak EM. Tracheobronchial manifestations of Aspergillus infections. ScientificWorldJournal. 2011;11:2310-29.

4. McGuinness G, Gruden JF, Bhalla M, et al. AIDS-related airway disease. AJR Am J Roentgenol. 1997;168:67-77.

5. Fernández-Ruiz M, Silva JT, San-Juan R, et al. Aspergillus tracheobronchitis: report of 8 cases and review of the literature. Medicine (Baltimore). 2012;91:261-73.

6. Wu N, Huang Y, Li Q, et al. Isolated invasive Aspergillus tracheobronchitis: a clinical study of 19 cases. Clin Microbiol Infect. 2010;16:689-95.

7. Weisser M, Rausch C, Droll A, et al. Galactomannan does not precede major signs on a pulmonary computerized tomographic scan suggestive of invasive aspergillosis in patients with hematological malignancies. Clin Infect Dis. 2005;41:1143-9.

8. Gotway MB, Dawn SK, Caoili EM, et al. The radiologic spectrum of pulmonary Aspergillus infections. J Comput Assist Tomogr. 2002;26:159-73.










1. Médica Pesquisadora do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
2. Médica Residente do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
3. Médicos Assistentes do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
4. Doutora, Médica Assistente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
5. Doutor, Médico Radiologista, Chefe do Serviço de Radiologia Torácica do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Katia Hidemi Nishiyama
Rua Tamandaré, 776, ap.132, Liberdade
São Paulo, SP, Brasil, 01525-000
E-mail: katianishiyama@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 3/7/2013.
Aceito, após revisão, em 22/10/2013.

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.
 
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