Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2016

EDITORIAIS
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Page(s) VII to VIII



Ressonância e tomografia cardíacas: os olhos para a visualização da doença arterial coronária e seu efeito no prognóstico pelo paradoxo de

Autho(rs): Carlos E. Rochitte

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Neste número da Radiologia Brasileira, Assunção et al.(1) descrevem de forma detalhada, precisa e atualizada as técnicas de ressonância e tomografia cardíacas e suas aplicações nas doenças cardiológicas, mais especificamente na doença arterial coronária, cuja relevância clínica não precisa ser realçada aqui. Dois recentes artigos publicados na mesma revista abordaram aspectos relevantes do estudo por imagem do coração(2,3).

Com base em extensa revisão da literatura, os autores tecem um panorama atual de como o desenvolvimento científico e a pesquisa bem conduzida levaram a ressonância e tomografia ao patamar que se encontram hoje, podendo assim beneficiar os pacientes na rotina clínica diária e, como sob alguns aspectos, são ainda subutilizadas. Vamos discutir a seguir este dois pontos: o desenvolvimento científico e seus mecanismos e a utilização de métodos diagnósticos tão precisos.

Devemos parabenizar os autores pela iniciativa e pela produção de texto extremamente educativo na área. Também devemos realçar o papel da instituição de origem dos autores -Universidade Federal Fluminense - pelo contínuo suporte à meritocracia e a pesquisadores do mais alto calibre nacional e internacional. Em tempos difíceis como esses nossos no momento atual no Brasil, consegue-se visualizar uma luz no fim do túnel de instituições e indivíduos à sua frente que valorizam talentos na pesquisa médica tão combalida em nosso país. Estes serão os que surgirão do outro lado da escuridão como verdadeiros líderes de uma futura comunidade científica ativa e engajada, e que sonhamos, será uma força motriz para o crescimento do nosso país.

Esforços como este são exemplos comuns na comunidade científica internacional. Felizmente, em algumas raras oportunidades o Brasil participa destas colaborações científicas e quase sempre de forma significativa. Exemplos pessoais foram os estudos CORE64(4) e CORE320(5), que são estudos chamados "landmark" ou seminais no nosso idioma, e que validaram a técnica de angiografia coronária por tomografia e da perfusão miocárdica por tomografia, respectivamente. Estes estudos, liderados pelo Dr. João Lima, da Johns Hopkins University, tiveram a participação pessoal deste autor e do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Em ambos os estudos o InCor contribuiu com aproximadamente um terço dos pacientes destes estudos multicêntricos envolvendo até 16 países e publicados em prestigiosos periódicos científicos mundiais: The New England Journal of Medicine e European Heart Journal, respectivamente. Além dos óbvios e importantes dividendos científicos que projetaram o nome da instituição internacionalmente nesta área, o processo de pesquisa possibilitou a obtenção de equipamentos de ponta em tomografia computadorizada do coração, que são hoje a estrutura da instituição para atividade clínica nesta área. Uma verdadeira "win-win situation", como diriam os americanos, em que todos ganham. Isto reedita na pesquisa o modelo que permite até hoje o funcionamento do InCor como ilha de excelência (atendimento de pacientes particulares e convênios para permitir o melhor atendimento de pacientes SUS e sem convênio). Este modelo de colaboração internacional, na minha opinião, deveria ser estimulado e valorizado, juntamente com a participação de pesquisadores capacitados e escolhidos pela meritocracia. Instituições no Brasil parecem estar iniciando este tipo de colaboração altamente efetiva e produtiva para pesquisa clínica e pré-clínica.

Com relação aos benefícios e utilização de métodos diagnósticos na cardiologia e em medicina em geral, estamos neste momento nas ondas do "Choosing Wisely", "Less is More", e uma série de outros movimentos que, justificadamente, tentam conter o uso exagerado das técnicas terapêuticas e diagnósticas e, especialmente, de imagem, em situações clínicas em que o benefício para o paciente não seja comprovado. Estamos totalmente de acordo com estes movimentos, e até participamos de alguns, principalmente porque os recursos para a área de saúde são finitos e de fato muito limitados para as amplas necessidades na saúde em geral da população. Porém, é importante relatar que na prática clínica diagnóstica não é infrequente a situação oposta, em que pacientes chegam ao teste diagnóstico com doença muito avançada e já com sequelas e graves consequências destas doenças, e que se tivessem sido diagnosticadas precocemente poderiam ter sido tratadas e, potencialmente, evitado os danos, muitas vezes irreversíveis, da doença avançada.

Um grande problema destas campanhas é a não discussão sobre a responsabilidade médica do ponto de vista ético e legal no caso do diagnóstico perdido, e de suas consequências, que em cardiologia podem ser inclusive a morte. Particularmente, para o médico de emergência ou para o cardiologista, em muitas situações de dor torácica, diagnósticos críticos que só podem ser confirmados por testes de imagem não podem deixar de ser feitos.

Para alguns médicos e advogados, nesta discussão, uma diminuição em testes, mesmo aqueles considerados menos necessários será acompanhada de um aumento de risco de diagnósticos perdidos. Um exemplo citado é a recomendação do American College of Radiology, que inclui não fazer testes de imagem em pacientes sem suspeita de tromboembolismo pulmonar com probabilidade pré-teste moderada a alta. Dois por cento do pacientes em baixo risco têm embolia pulmonar que não será diagnosticada. Processos legais podem ser graves advindos destes não diagnósticos. Advogados diriam ao médico que quando algo der errado com seu paciente, ninguém virá te agradecer por ter economizado recursos de saúde, e por não ter solicitado aquele exame diagnóstico.

Creio que na utilização de exames diagnósticos o diálogo com o paciente em decidir se determinado exame é realmente necessário é o ponto mais importante nesta discussão, juntamente com a cuidadosa conduta que será baseada no resultado do teste diagnóstico. Muitas das situações de tratamento excessivo vêm da compreensão incompleta ou errônea dos resultados dos testes diagnósticos, particularmente, dos testes mais complexos tecnologicamente e recentemente introduzidos na prática clínica, como a ressonância e tomografia cardíacas.

Por fim, minha opinião pessoal é que o conhecimento e a observação, principalmente pela sua visualização pelo médico e pelo paciente, como aquela que a ressonância e tomografia cardíaca permite na doença arterial coronária, e extremamente bem demonstrada no artigo de Assunção et al.(1), tem um efeito independente (e difícil de explicar) no curso e evolução da doença.

A teoria quântica lida com a dualidade da matéria (luz) ser ou existir como ambos, partícula e onda. No microcosmo das partículas subatômicas, o simples fato de observar um fenômeno altera o fenômeno em si causou grande debate sobre o famoso experimento teórico de "Schrödinger's cat"(6), em que um gato em uma caixa com veneno que seria liberado pela emissão de um quanta/fóton de um único átomo de material radiativo, e portanto, impossível de prever sua probabilidade com certeza, gera um paradoxo no qual antes de abrirmos a caixa o gato está, ao mesmo tempo, vivo e morto. A idéia de que a chance de o gato estar vivo ou morto é de 50% cada é imprecisa e incerta, e de fato a equação de Schrödinger(6) com notações de Paul Dirac pode calcular o quanto vivo e o quanto morto o gato está. No entanto, ao observarmos o fenômeno, abrindo a caixa, as duas ondas (vivo e morto) colapsam em uma única resultando no gato vivo ou morto.

Já me desculpando pela divagação quântica/filosófica, assim na medicina a observação do fenômeno em si carreia importante valor terapêutico. Talvez seja apenas o efeito de parceria (dualidade) entre médico e paciente, que precisa de um fato, uma imagem, algo palpável para se desenvolver em torno, e que não ocorre ao redor de uma probabilidade de doença (em geral imprecisa), e que na mente de ambos os envolvidos nesta relação não é algo real e papável. Uma parceria médico-paciente ótima é sim, sem dúvida, o grande fator de sucesso não somente no diagnóstico e tratamento da doença, como também na condução e promoção da saúde.


REFERÊNCIAS

1. Assunção FB, Oliveira DCL, Souza VF, et al. Cardiac magnetic resonance imaging and computed tomography in ischemic cardiomyopathy: an update. Radiol Bras. 2016;49:26-34.

2. Barranhas AD, Santos AASMD, Coelho-Filho OR, et al. Cardiac magnetic resonance imaging in clinical practice. Radiol Bras. 2014;47:1-8.

3. Neves PO, Andrade J, Monção H. Coronary anomalies: what the radiologist should know. Radiol Bras. 2015;48:233-41.

4. Miller JM, Rochitte CE, Dewey M, et al. Diagnostic performance of coronary angiography by 64-row CT. N Engl J Med. 2008;359:2324-36.

5. Rochitte CE, George RT, Chen MY, et al. Computed tomography angiography and perfusion to assess coronary artery stenosis causing perfusion defects by single photon emission computed tomography: the CORE320 study. Eur Heart J. 2014;35:1120-30.

6. Schrödinger E, Trimmer JD. The present situation in quantum mechanics: a translation of Schrödinger's "cat paradox" paper. Proceedings of the American Philosophical Society. 1980;124:323-38.










Diretor da RM e TC Cardiovascular do Hospital do Coração (HCor), Professor Livre-docente da RM e TC Cardiovascular do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rochitte@incor.usp.br / rochitte@gmail.com / www.rochitte.com
 
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