Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2016

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 130 to 131



Hemorragia cerebelar remota e síndrome da hipotensão intracraniana após cirurgia hipofisária

Autho(rs): Luiz de Abreu Junior1; Henrique T. Martucci2; Paulo Tarso Reck de Mendonça3; Gustavo Garcia Marques1; Célia Rodrigues1

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Sr. Editor,

Homem, 62 anos, apresentava quadro de cefaleia e alteração do campo visual há meses. A avaliação diagnóstica revelou lesão suprasselar que determinava hidrocefalia por compressão extrínseca. Optou-se por realizar-se derivação ventricular e posterior abordagem cirúrgica da lesão. O acesso ao leito cirúrgico foi realizado por meio de craniotomia frontal esquerda. A análise histológica revelou tratar-se de um craniofaringioma.

No pós-operatório o paciente evoluiu com piora significativa da cefaleia, solicitando-se exame de ressonância magnética (RM) para avaliação do quadro. A RM demonstrou hemorragia cerebelar comprometendo o vermis e o hemisfério cerebelar esquerdo (Figura 1A), com padrão de distribuição do sangue entre folias cerebelares (Figuras 1B e 1C), indicativa de hemorragia cerebelar remota. Havia também sinais sugestivos de síndrome da hipotensão liquórica, demonstrados por ventrículos com pequenas dimensões, espessamento e realce paquimeníngeo difuso, além de coleção hemática subdural frontal esquerda (Figura 1D).


Figura 1. Imagens do exame de RM do crânio. A: Sequência FLAIR no plano axial mostra focos de hipersinal comprometendo o vermis e o hemisfério cerebelar esquerdo, compatíveis com hemorragia cerebelar. B: Sequência SWI no plano axial demonstra marcado hipossinal indicativo de produtos de degradação da hemoglobina (hemossiderina), com padrão de distribuição entre folias cerebelares (“sinal da zebra”). C: Sequência T2 TSE no plano coronal indica confirmação da hemorragia cerebelar, nas diferentes fases de degradação da hemoglobina, com áreas de hipersinal e hipossinal alternadas (“sinal da zebra”). D: Sequência T1 SE no plano axial, após injeção intravenosa do meio de contraste paramagnético, identifica a presença de cateter de derivação ventricular com extremidade no trígono do ventrículo lateral direito. Os ventrículos laterais apresentam-se com pequenas dimensões, destacando-se espessamento e impregnação significativa do revestimento paquimeníngeo encefálico, associado à presença de coleção hemática subdural frontal esquerda. A combinação desses achados sugere hipotensão liquórica.



Hemorragia cerebelar remota tem sido definida como uma hemorragia no interior do parênquima cerebelar, uma complicação rara que pode ocorrer posteriormente a intervenções neurocirúrgicas. Essa entidade foi descrita primeiramente por Yasargil et al., na década de 70(1). A incidência relatada na literatura, após intervenções supratentoriais, varia de 0,08% a 0,6%(2). Porém, foi relatada a ocorrência após vários outros procedimentos cirúrgicos cranianos e na medula espinal(2-7).

Várias teorias foram aventadas para explicar o aparecimento de sangramento no cerebelo, distante do sítio de manipulação primária (supratentorial ou espinal). Dentre elas, destacam-se um gradiente de pressão criado por ressecção de uma lesão supratentorial, com um mecanismo de sucção sobre as veias cerebelares (especialmente na porção superior do vermis)(8). A outra hipótese permite explicar os dois achados presentes em nosso paciente. Por esta teoria, a abertura de cisternas ou do sistema ventricular promove um quadro de hipotensão liquórica, desencadeando o processo que culmina com estiramento e rotura de veias cerebelares, ocasionando a hemorragia cerebelar e a hipotensão liquórica(9).

Vários procedimentos neurocirúrgicos já foram associados à ocorrência de hemorragia cerebelar remota, entre eles clipagem de aneurismas (rotos ou não), ressecção de tumores, drenagens de hematomas parenquimatosos e extra-axiais, além de cirurgias de coluna vertebral(2-7,9).

Nos exames de imagem, a hemorragia cerebelar remota tem apresentação característica, com tendência de o sangue distribuirse entre as folias do cerebelo, com configuração curvilinear. Esse aspecto resulta no padrão conhecido como sinal da zebra(8).

Quanto aos sintomas da síndrome da hipotensão intracraniana, os pacientes queixam-se de cefaleia ortostática que tende a melhorar em decúbito. Os exames de imagem demonstram espessamento e realce difuso do revestimento paquimeníngeo encefálico, engurgitamento e dilatação de estruturas venosas encefálicas, presença de coleções subdurais, deslocamento inferior do mesencéfalo e herniação das tonsilas cerebelares(10).

O caso aqui apresentado demonstra uma cadeia de eventos que, em conjunto, pode ter resultado nos dois acometimentos observados no sistema nervoso central. A manipulação cirúrgica supratentorial e a derivação ventricular podem ter ocasionado hipotensão intracraniana, resultando em tração e estiramento de veias cerebelares, com rotura desses vasos e hemorragia no parênquima cerebelar.

O conhecimento dessas entidades pelos radiologistas é relevante, uma vez que a adequada caracterização delas o mais precoce possível permite intervenções para suas correções e melhora dos sintomas apresentados pelos pacientes.


REFERÊNCIAS

1. Yasargil MG, Yonekawa Y. Results of microsurgical extra-intracranial arterial bypass in the treatment of cerebral ischemia. Neurosurgery. 1977;1:22-4.

2. Bokhari R, Baeesa S. Remote cerebellar hemorrhage due to ventriculoperitoneal shunt in an infant: a case report. J Med Case Rep. 2012;6:222.

3. Honegger J, Zentner J, Spreer J, et al. Cerebellar hemorrhage arising postoperatively as a complication of supratentorial surgery: a retrospective study. J Neurosurg. 2002;96:248-54.

4. Smith R, Kebriaei M, Gard A, et al. Remote cerebellar hemorrhage following supratentorial cerebrovascular surgery. J Clin Neurosci. 2014;21:673-6.

5. Suzuki M, Kobayashi T, Miyakoshi N, et al. Remote cerebellar hemorrhage following thoracic spinal surgery of an intradural extramedullary tumor: a case report. J Med Case Rep. 2015;9:68.

6. Biasi PR, Mallmann AB, Crusius PS, et al. Hemorragia cerebelar remota como complicação de cirurgia de coluna vertebral. Relato de dois casos e revisão da literatura. J Bras Neurocir. 2011;22:66-71.

7. Paola L, Troiano AR, Germiniani FMB, et al. Cerebellar hemorrhage as a complication of temporal lobectomy for refractory medial temporal epilepsy: report of three cases. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62:519-22.

8. Amini A, Osborn AG, McCall TD, et al. Remote cerebellar hemorrhage. AJNR Am J Neuroradiol. 2006;27:387-90.

9. Chalela JA, Monroe T, Kelley M, et al. Cerebellar hemorrhage caused by remote neurological surgery. Neurocrit Care. 2006;5:30-4.

10. Savoiardo M, Minati L, Farina L, et al. Spontaneous intracranial hypotension with deep brain swelling. Brain. 2007;130(Pt 7):1884-93.










1. Universidade São Camilo, São Paulo, SP, Brasil
2. Clínica São Camilo, Sinop, MT, Brasil
3. Instituto Neurocirúrgico de Sinop, Sinop, MT, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Luiz de Abreu Junior
Rua Baturité, 200, ap. 32B, Aclimação
São Paulo, SP, Brasil, 01530-030
E-mail: abreu_jr@terra.com.br
 
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