Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 50 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2017

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 137 to 138



Estrongiloidíase intestinal: achados radiológicos que auxiliam no diagnóstico

Autho(rs): José Henrique Frota Júnior; Marcos Antônio Haddad Pereira; Paulo Gustavo Maciel Lopes; Leandro Accardo Matos; Giuseppe D'Ippolito

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Texto em Português English Text

Sr. Editor,

Dois pacientes do sexo masculino, 38 anos (paciente 1) e 32 anos (paciente 2), apresentando queixas e quadro clinicolaboratorial a seguir descritos. Paciente 1 – Náuseas e vômitos pós-prandiais intermitentes, há cerca de dois meses, associados a leve dor abdominal, diarreia e perda ponderal. Ao exame físico estava emagrecido, com discreto edema de membros inferiores. Exames laboratoriais apresentavam redução da albumina (0,9 g/dL) e proteína C reativa elevada (31,4 mg/L). O exame de tomografia computadorizada (TC) do abdome revelou espessamento parietal difuso de segmentos do intestino delgado, mais acentuado na região do jejuno e segunda porção do duodeno, distensão gástrica, espessamento e realce mucoso, dilatação do colédoco (Figura 1) e líquido livre na cavidade peritoneal. Paciente 2 – Náuseas e vômitos pós-prandiais associados a dor abdominal de leve intensidade há um mês, com exacerbação há um dia. Ao exame físico apresentava-se emagrecido, com leve dor à palpação abdominal. Exames laboratoriais mostravam discreta leucocitose sem desvio, redução da albumina (2,2 g/dL) e proteína C reativa elevada (65,1 mg/L). A TC demonstrava acentuado espessamento parietal de segmentos de jejuno, associado a dilatação gastroduodenal a montante, discreta dilatação do ducto colédoco e aerobilia, com focos gasosos observados também no ducto pancreático principal (Figura 2). O diagnóstico de estrongiloidíase foi confirmado nos dois casos por biópsia gástrica e duodenal e pelo exame parasitológico de fezes. Os pacientes foram tratados com medidas de suporte e ivermectina, com significativa melhora de seus sintomas.


Figura 1. TC com contraste intravenoso demonstrando acentuada distensão gástrica com realce mucoso, dilatação do colédoco (seta em A) e espessamento parietal de segmentos do intestino delgado (seta em B), com distensão hídrica de alças intestinais.


Figura 2. TC com contraste intravenoso, imagens nos planos coronal (A) e sagital (B) mostrando acentuada distensão gástrica e duodenal (setas longas em A) associada a gás na árvores biliar e pancreática (setas curtas em A), e com o sinal de "cano de chumbo", caracterizado por espessamento parietal, rigidez e estreitamento da luz do delgado (seta em B).



O Strongyloides stercoralis é um helminto intestinal endêmico em muitas regiões com climas tropicais, subtropicais e em algumas áreas de clima temperado(1–3). Pode manifestar-se como uma síndrome clínica envolvendo pele, pulmões e/ou trato gastrintestinal(3).

Cerca de metade dos casos de infecção por S. stercoralis é assintomática(4,5). Quando presentes, os sintomas de estrongiloidíase são vagos e podem incluir dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos(1). Menos frequentemente, podem ocorrer síndrome de malabsorção, íleo paralítico, obstrução intestinal (podendo estar associado a aerobilia) e sangramento gastrintestinal(4–6).

Os achados de imagem das alterações do intestino delgado são inespecíficos e semelhantes aos de outras causas de doença inflamatória/infecciosa intestinal, destacando-se o edema da parede duodenal e do delgado proximal, com congestão da mucosa, pregas grosseiras e dilatação de alças(7–9). A aparência radiológica nesse estágio assemelha-se aos achados vistos na hipoalbuminemia, ascite e peritonite. A associação com dilatação do estômago e espessamento da mucosa gástrica é menos frequente em outras causas inflamatórias e é decorrente, na estrongiloidíase, de estreitamento do lúmen e espessamento das dobras duodenais, produzindo a aparência em "cano de chumbo" (Figura 2B) e distensão a montante, como visto nos pacientes aqui apresentados(9). Em alguns casos, observa-se refluxo de contraste oral para a árvore biliar ou aerobilia, decorrente de um esfíncter de Oddi incompetente, causado por inflamação grave da parede duodenal, como observado no paciente 2(10). Não encontramos casos relatados de gás no ducto pancreático principal, mas a causa deve ser a mesma que provoca a aerobilia.

Na presença de manifestações intestinais, os principais diagnósticos diferenciais de estrongiloidíase incluem doença de Crohn, linfoma, tuberculose e outras causas de enterocolites. Os exames laboratoriais e alguns aspectos tomográficos, como a presença de extensa linfondomegalia no linfoma e necrose linfonodal na tuberculose, podem auxiliar na distinção das doenças(11). Por ter apresentação clínica inespecífica, e particularmente em casos de pacientes imunossuprimidos, pode evoluir para uma forma disseminada com sepse e choque(12). O diagnóstico de estrongiloidíase deve ser suspeitado e confirmado precocemente, e isto pode ser feito pela análise de alguns sinais radiológicos aqui descritos. O diagnóstico definitivo é baseado nos achados de larvas nas fezes, na secreção traqueal, no lavado brônquico, no aspirado gástrico ou nas biópsias gástrica, jejunal, cutânea e pulmonar(12). A estrongiloidiase intestinal inclui-se como um importante diagnóstico diferencial entre as doenças inflamatórias do intestino delgado, devendo ser considerada na presença de alguns aspectos clínicos e de uma combinação de achados de imagem, tais como espessamento e realce mucoso do delgado, distensão gástrica e alterações biliopancreáticas como dilatação e aeropancreatobilia.


REFERÊNCIAS

1. Schär F, Trostdorf U, Giardina F, et al. Strongyloides stercoralis: global distribution and risk factors. PLoS Negl Trop Dis. 2013;7:e2288.

2. Greiner K, Bettencourt J, Semolic C. Strongyloidiasis: a review and update by case example. Clin Lab Sci. 2008;21:82–8.

3. Marcos LA, Terashima A, Dupont HL, et al. Strongyloides hyperinfection syndrome: an emerging global infectious disease. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2008;102:314–8.

4. Concha R, Harrington W Jr, Rogers AI. Intestinal strongyloidiasis: recognition, management, and determinants of outcome. J Clin Gastroenterol. 2005;39:203–11.

5. Segarra-Newnham M. Manifestations, diagnosis, and treatment of Strongyloides stercoralis infection. Ann Pharmacother. 2007;41:1992–2001.

6. Parmar R, Bontemps E, Mendis R, et al. Intestinal strongyloidiasis presenting with pneumobilia and partial duodenal obstruction. Am J Gastroenterol. 2002;97(9 Suppl):S211–2.

7. Parashari UC, Khanduri S, Kumar D. Radiological appearance of small bowel in severe strongyloidiasis. Rev Soc Bras Med Trop. 2012;45:141.

8. Medina LS, Heiken JP, Gold RP. Pipestem appearance of small bowel in strongyloidiasis is not pathognomonic of fibrosis and irreversibility. AJR Am J Roentgenol. 1992;159:543–4.

9. Dallemand S, Waxman M, Farman J. Radiological manifestations of Strongyloides stercoralis. Gastrointest Radiol. 1983;8:45–51.

10. Louisy CL, Barton CJ. The radiological diagnosis of Strongyloides stercoralis enteritis. Radiology. 1971;98:535–41.

11. Ortega CD, Ogawa NY, Rocha MS, et al. Helminthic diseases in the abdomen: an epidemiologic and radiologic overview. Radiographics.










Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. José Henrique Frota Júnior
Departamento de Diagnóstico por Imagem – EPM-Unifesp
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil, 04024-012
E-mail: jhenriquefrotaj@hotmail.com
 
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