Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 51 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2018

EDITORIAL
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Page(s) 5 to 7



Cisto pancreático incidental: ainda muita estrada para percorrer

Autho(rs): Giuseppe D’Ippolito

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A ampla disseminação de exames de imagem ocorrida nas duas últimas décadas, associada ao seu desenvolvimento tecnológico, fez surgir uma nova entidade: o incidentaloma(1). O incidentaloma consiste em um achado de imagem incidentalmente ou acidentalmente observado em um paciente que não apresenta nenhum sintoma ou alteração laboratorial relacionada à lesão encontrada(1). Os primeiros artigos que o mencionam datam da década de 1990(2). Em 1992, um artigo sobre o tema foi publicado em uma importante revista médica e aborda a cascata de exames e condutas decorrentes de um achado incidental, o custo dessa abordagem e a exposição do paciente a riscos e ansiedade, às vezes desnecessários(3). No plano abdominal não são infrequentes os incidentalomas hepáticos, adrenais, renais e pancreáticos, a ponto de terem estimulado a criação de um grupo de estudo reunido pelo American College of Radiologia (ACR) para estabelecer diretrizes no manejo desses achados(4). Nos últimos dez anos, diversas sociedades internacionais têm publicado diretrizes ou recomendações semelhantes, e às vezes contraditórias, no manejo do cisto pancreático incidental(5–7).

Os primeiros artigos mencionando o tema descreveram que cistos pancreáticos podem ser encontrados incidentalmente em até 13–19,5% dos exames de ressonância magnética (RM) de abdome(8,9) e 2,5% dos exames de tomografia computadorizada (TC)(10). Outros artigos, mencionando prevalências bastante díspares e variando entre 2,0% e 45%(11,12), têm demonstrado que se os incidentalomas pancreáticos são frequentes, a sua exata prevalência ainda é pouco conhecida e depende não somente do método de imagem adotado e do perfil da população estudada (ocorre um aumento da prevalência com a idade), mas de variáveis como a técnica do exame, a experiência e a diligência dos examinadores.

Neste número da Radiologia Brasileira, Falqueto et al. avaliaram, retrospectivamente, 924 pacientes submetidos sequencialmente a RM (n = 443) ou TC (n = 481) e encontraram, respectivamente, 6,1% e 3,1% de cistos pancreáticos (média de 4,5%)(13). Entre os 42 pacientes com cistos pancreáticos, chamou a atenção o fato de a prevalência ser 17 vezes maior nos pacientes com queixa pancreática (42,9%) do que naqueles com outros sintomas (2,4%). Esta prevalência de incidentalomas foi muito semelhante à encontrada em uma grande casuística americana, que registrou taxa de 2,5% na população adulta(12).

Os autores do estudo aqui publicado classificaram os cistos em neoplásicos e não neoplásicos, em função das informações clínicas e dos aspectos de imagem, e encontraram sinais de risco para desenvolvimento de malignidade em 26,3% dos 38 casos considerados neoplásicos, sendo interpretados, em 74% dos exames, como tumores intraductais produtores de mucina (IPMN – intraductal papillary mucinous neoplasm). Os sinais de alerta para malignidade adotados foram diâmetro superior a 30 mm, componente sólido intracístico e dilatação do ducto pancreático principal. Apesar das discrepâncias observadas entre as diversas diretrizes e recomendações recentemente publicadas, existe uma tendência de se considerar como aspectos suspeitos para malignidade no IPMN um diâmetro igual ou superior a 30 mm, paredes espessadas, nódulo intracístico sem realce e ducto pancreático principal com diâmetro entre 5 e 9 mm(5). Os aspectos considerados de alto risco para malignidade são a presença de nódulo sólido intracístico com realce após a injeção do meio de contraste, calibre superior a 9 mm do ducto pancreático principal e presença de dilatação das vias biliares e/ou icterícia decorrente de compressão exercida pelo cisto pancreático(5). Além desses, podem ser considerados como outros fatores de risco, crescimento superior a 2 mm por ano e elevação do Ca 19-9(6). Quando um ou mais desses aspectos de alto risco são identificados em exames de TC ou RM, tem sido considerada a intervenção cirúrgica, precedida ou não de punção aspirativa dirigida por ecoendoscopia(5,14,15). Alguns autores recomendam que qualquer cisto candidato a ressecção deveria ser puncionado, para minimizar cirurgias desnecessárias(15).

Entre as diretrizes divulgadas, notam-se diversas discrepâncias no algoritmo de acompanhamento, principalmente em relação ao ponto de corte do diâmetro adotado para indicar uma mudança na conduta, intervalo de tempo entre os exames e duração do período de acompanhamento. Em artigo recente publicado pelo ACR Incidental Findings Committee, como primeira revisão do documento divulgado em 2010, Megibow et al. advertem que se trata de recomendações baseadas não somente em algum nível de evidência, mas também na sua experiência pessoal quando careciam evidências, e não propriamente de diretrizes formais(15). As principais mudanças propostas nessa publicação no manejo dos pacientes com cistos pancreáticos incidentais se dão no maior tempo de acompanhamento, que chega a 10 anos – em razão de relatos que demonstram o surgimento de adenocarcinoma invasivo de pâncreas após 5 anos de acompanhamento(16,17) –, no uso mais generoso da punção aspirativa guiada por ecoendoscopia e na recomendação de interrupção do seguimento após os 80 anos, exceto quando houver sintomas. É interessante observar que apenas cistos superiores a 1,5 cm têm volume suficiente (1–2 mL) de líquido que permita uma análise citológica e bioquímica confiável(18). Outros autores afirmam que a acurácia do diagnóstico da punção com agulha fina é incrementada quando associada a aspectos clínicos e de imagem(19).

Outro conceito também recentemente introduzido concerne ao crescimento do cisto pancreático ao longo do tempo. Megibow et al. sugerem que o crescimento do cisto (e suspeição de malignidade) seja caracterizado quando houver aumento do seu maior diâmetro superior a 100% em cistos < 0,5 cm, superior a 50% em cistos ≥ 0,5 e < 1,5 cm, e superior a 20% em cistos ≥ 1,5 cm(15). Evidentemente que, do ponto de vista matemático, um aumento de 40% em um cisto de 1,4 cm é mais expressivo que um aumento de 25% em um cisto de 1,5 cm, o que torna o uso do bom senso imprescindível para seguir este parâmetro.

Em algumas das diretrizes adotadas por diversos grupos de estudo não há uma preocupação maior para identificar, em cistos menores que 2,0 ou 3,0 cm, uma comunicação com o ducto pancreático e o que caracterizaria um diagnóstico de IPMN(4,6). Todavia, no artigo de Megibow et al., esses autores propuseram um algoritmo específico para cistos pequenos, entre 1,5 e 2,5 cm suspeitos para IPMN, sugerindo intervalos de exames mais espaçados para os pacientes com lesões menores que 2,0 cm(15).

Apesar da elevada prevalência dos incidentalomas pancreáticos, é inegável que ainda pouco se sabe sobre a sua história natural. Por exemplo, as taxas de malignização reportadas em função do tipo morfológico da lesão são bastante amplas na literatura, podendo variar entre 12% e 47% para o IPMN de ductos secundários (tipo II) e entre 38% e 68% para o IPMN de ducto principal (tipo I) ou IPMN do tipo misto (tipo III)(20). Essa variação pode ser decorrente dos critérios histológicos adotados para considerar a malignidade da lesão. Em última análise, pode-se dizer que taxas exatas de malignização de pequenos cistos pancreáticos incidentais ainda continuam desconhecidas(15,21).

As diversas diretrizes publicadas adotam pontos de corte distintos do diâmetro do cisto, que podem variar entre 1,5 e 3,0 cm, para indicar mudanças no intervalo de acompanhamento e punção aspirativa. Dessa forma, uma vez identificado o cisto pancreático, e excluído um possível pseudocisto em função da história clínica, qual das diversas diretrizes deverá ser adotada? Esta questão ainda não foi claramente respondida(22).

Em resumo, para o radiologista alguns dados são relevantes e devem ser conhecidos. Existe tendência em considerar a TC e a RM com protocolos dedicados para o estudo da região pancreática como equivalentes para detectar os principais sinais de alerta ou risco de malignidade no cisto pancreático incidental(23,24). A colangio-RM é o método não invasivo mais eficaz para demonstrar a comunicação do cisto com o ducto pancreático(1). Cistos menores que 2,0 cm são de difícil caracterização e, segundo algumas diretrizes, isto não afeta o manejo proposto, sendo basicamente acompanhados com menor ou maior frequência por métodos de imagem e preferencialmente por RM. O uso da ultrassonografia para acompanhamento desses cistos, apesar de desejável, ainda é controverso, em razão da sua discutível reprodutibilidade(25,26). Cistos indeterminados são considerados IPMN até prova em contrário, devido à sua maior prevalência(15). O cistoadenoma seroso e o pseudocisto de pâncreas podem ser diagnosticados em função dos seus aspectos radiológicos típicos e da história pregressa de pancreatite, respectivamente. Pequenos cistos pancreáticos, em pacientes que se mantêm assintomáticos, que permanecem estáveis por um período de 10 anos, não precisariam ser mais acompanhados. Após os 80 anos, é bastante discutível a necessidade de acompanhamento de cistos pancreáticos em pacientes assintomáticos. Existe um indício de tendência de alguns radiologistas deixarem de descrever pequenos cistos pancreáticos menores que 5 mm (chamados de white dot) encontrados incidentalmente em pacientes com mais de 75 anos(15). Tem crescido o uso de punção por agulha fina dirigida por ecoendoscopia, com a dosagem de antígeno carcinoembriogênico, amilase e detecção de mucina em pacientes com cistos pancreáticos que apresentam crescimento ou outros sinais de alerta para malignização(18).


REFERÊNCIAS

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25. Paulson EK, Kothari D. Re: “Management of incidental pancreatic cysts: a white paper of the ACR Incidental Findings Committee”. J Am Coll Radiol 2018;15:591.

26. Megibow AJ, Baker ME, Morgan DE, et al. Author’s reply. J Am Coll Radiol 2018;15:591–3.










Livre-docente, Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), Radiologista do Laboratório Fleury, São Paulo, SP, Brasil

E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br
 
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